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Resumo O presente artigo se propõe a analisar algumas dificuldades inerentes à aplicação de medidas de salvaguarda, à luz das normas estabelecidas multilateralmente, no âmbito do Gatt 19941 e do Acordo Sobre Salvaguardas (ASS). Introdução O objetivo deste artigo é analisar algumas dificuldades com que se deparam as autoridades investigadoras com vistas à aplicação de medidas de salvaguardas. Tais dificuldades relacionam-se em grande medida à falta de clareza sobre o alcance de certas normas que regem a matéria. Para esse fim, será considerado, de forma breve, o histórico da conclusão do acordo em vigor e também referências a decisões do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) da Organização Mundial de Comércio (OMC). Como se verá adiante, desses antecedentes não necessariamente decorreu a pacificação das distintas e possíveis visões sobre certas normas, contribuindo até mesmo para o surgimento de novas questões, as quais somente poderão ser dirimidas de forma definitiva pelo próprio OSC ou por futuras negociações que envolvam o Acordo Sobre Salvaguardas. Para tratar do tema, em primeiro lugar, cumpre definir salvaguardas: medidas temporárias, na forma de elevação de tarifas de importação ou de restrições quantitativas às importações, que têm como objetivo conter as importações com vistas a permitir à indústria doméstica se ajustar, a fim de se tornar competitiva, em relação aos exportadores estrangeiros (MESSERLIN; FRIDH, 2006)2. O Art. XIX do Gatt 1994 constitui uma das cláusulas de escape do Acordo Geral, uma vez que permite aos Membros da OMC impor medidas restritivas à importação, em certas circunstâncias, afastando-se das obrigações contraídas, dentre as quais se destacam a de não elevar as tarifas de importação e a de não impor restrições quantitativas às importações. Lembrando que a aplicação de medidas de salvaguarda não tem como base o comércio desleal, Messerlin e Fridh (2006) concluem que se trata de uma questão de "unfair distribution of adjustment costs". Uma conseqüência que decorre da aplicação de medidas de salvaguarda na forma de elevação de tarifas de importação é o aumento da arrecadação, apesar de não constituir objetivo da medida. A indústria doméstica vai se beneficiar com a elevação dos custos para importação do produto, o qual somente não ocorrerá se os exportadores reduzirem seus preços. Por outro lado, quando a medida assume a forma de restrição quantitativa, a redução da oferta levará à elevação dos preços também para os exportadores, o que constitui uma espécie de compensação. Sykes (2006)3 sugere que medidas de salvaguarda podem interferir na taxa de câmbio, ao reduzir a demanda por importações, ensejando a apreciação da moeda, o que tenderia a tornar mais competitivas as importações e menos competitivas as exportações. Isso, no entanto, vai depender do fluxo de comércio afetado pela medida: além disso, se o importador puder optar por importar mais quantidade de outro produto ao invés daquele afetado pela medida, o efeito líquido sobre o valor do total importado pode ser minimizado ou até mesmo eliminado, com o que não haveria interferência na taxa de câmbio. Analisando os efeitos das medidas de salvaguarda, Messerlin e Fridh (2006) concluem que as restrições quantitativas poderiam gerar menos efeitos negativos sobre o comércio. Isso porque as cotas têm como efeito a elevação do preço, porém garantem um certo fluxo de comércio. As tarifas, por seu turno, podem ter como consequência a eliminação total das importações. Nesse ponto, deve ser lembrado que o Acordo Sobre Salvaguardas contém regras específicas com vistas à determinação das cotas de importação, porém não em relação ao aumento da tarifa de importação. Há, ainda, a possibilidade de a medida tomar a forma de uma cota tarifária, situação em que sobre o limite quantitativo preestabelecido (a cota) não incide a elevação da tarifa, a qual somente se aplica aos volumes importados além da cota. Sykes (2006) argumenta que empréstimos diretos e subsídios são, na teoria, preferíveis à adoção de medidas de salvaguarda, desde que não engendrem elevados custos administrativos. Porém, as medidas de salvaguarda são uma ferramenta de que dispõem, também, os países em desenvolvimento, que contam com restrições orçamentárias com vistas à concessão de empréstimos ou subsídios. Além disso, a concessão de subsídios também encontra limitações no foro multilateral. Outro elemento interessante a ser notado é que os países desenvolvidos, comparativamente aos países em desenvolvimento, contam com um mercado de capitais mais desenvolvido, de forma que o próprio setor privado poderia financiar os esforços da indústria para se manter competitiva. Sykes (2006) sugere, ainda, que medidas de salvaguarda poderiam constituir o second best, no contexto de desemprego ou subemprego e que a intervenção direta no mercado de trabalho que está funcionando de forma imperfeita permitiria enfrentar o problema sem introduzir o custo econômico da proteção. O seguro-desemprego poderia servir para esse fim. Também nessa hipótese os países em desenvolvimento encontram-se em desvantagem, comparativamente aos países desenvolvidos. Além disso, pode-se argumentar que medidas de salvaguarda não têm como único objetivo a preservação imediata de postos de trabalho, mas também de investimentos, pesquisa e desenvolvimento etc. O argumento relativo à economia política parece ser o mais razoável com vistas a explicar a existência de cláusulas de escape. A possibilidade de aplicação de uma medida de salvaguarda reduz o risco inerente às concessões em matéria de comércio internacional. Além disso, uma vez que tais medidas têm como base regras acordadas multilateralmente, contribuem para manter algum controle sobre pressões por proteção. Sykes (2006) questiona se o fato de a parte que fez concessões poder revogá-las não teria como efeito diminuir o seu valor para o recipiente. Isso é verdade, porém apenas parcialmente, já que aquele que se beneficia de concessões também faz outras e a possibilidade de revogá-las também o alcança. De acordo com Ahn (2006)4, "A safeguard mechanism for an international trade agreement is the core element to secure market access commitments in trade negotiations and effectively sustain trade liberalization despite domestic resistance from comparatively disadvantaged economic sectors [nota de rodapé omitida]. A safeguard system is not only essential to provide safety nets for overly excessive importation within such a short period of time, but also critical to facilitate structural adjustment induced by import competition." O Acordo Sobre Salvaguardas não visa a importações que poderiam ser denominadas "desleais", ou seja, aquelas objeto da prática de dumping ou de subsídio, mas sim importações que, em princípio, podem ser consideradas "leais", o que, como se verá na sequência deste artigo, engendra algumas consequências na interpretação dos dispositivos que regem a matéria. Por exemplo, uma das condições para a adoção de medidas de salvaguarda é o "prejuízo grave", e não o dano, tal como definido no Acordo Antidumping e no Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias. A adição do termo "serious" ao conceito de "injury" parece sugerir que existe um requisito a mais, que esse dano deverá ser mais grave, mais sério. Nesse sentido, um standard mais elevado poderia contribuir para explicar o reduzido número de aplicação de medidas de salvaguarda, perante as medidas antidumping, por exemplo. Outros elementos que poderiam contribuir para explicar tal situação seria a possibilidade de compensação ou retaliação, as decisões do OSC sobre a matéria e a não seletividade da medida. Porém, no que diz respeito à possibilidade de compensação é interessante notar que essa foi mitigada com o ASS, comparativamente às disposições do Art. XIX do Gatt 1994: o direito à compensação somente será exercido após três anos de vigência da medida, uma vez que sua adoção tenha tido como base o crescimento absoluto das importações. Da Evolução Histórica do Acordo Sobre Salvaguardas Historicamente, a negociação do Gatt está relacionada ao declínio econômico dos Estados Unidos da América (EUA), que levou à adoção doTariff Act of 1930, quando os EUA aumentaram drasticamente as tarifas de importação. Outro elemento que explica a ênfase nas discussões multilaterais no pós-guerra é a percepção de que a deterioração das condições econômicas contribuíram para a eclosão da Segunda Grande Guerra. O primeiro mecanismo formal de salvaguarda de que se tem notícia constou do U.S. Reciprocal Trade Agreement of 1942 with México, firmado entre os EUA e o México. Após 1947, com base em uma Executive Order, do Presidente Truman, todos os acordos passaram a incorporar uma cláusula geral de escape. Importante lembrar que, ao final da 2a Guerra Mundial, os EUA e a Inglaterra lideraram negociações que culminaram na Conferência de Bretton Woods, em 1944, com a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird). Foi decidida, também, a criação de uma terceira organização internacional, a Organização Internacional do Comércio (OIC), que deveria tratar, dentre outras coisas, das relações comerciais entre os países, com base em princípios liberais e multilaterais. Em 1946, em Londres, no curso das negociações com vistas à conformação da OIC, os EUA propuseram a inclusão de uma cláusula de escape. Em 1947, dispositivo dessa natureza foi incluído no Gatt, que estava sendo negociado simultaneamente. À OIC caberia a construção de um sistema de comércio mundial, com regras definidas, com o objetivo de facilitar o funcionamento das forças do mercado e a redução das restrições ao comércio internacional, tudo isso subordinado à preocupação com a estabilidade política e econômica dos estados nacionais, relacionando o comércio internacional aos temas emprego e desenvolvimento. Em 1948, foi aprovada a Carta de Havana, assinada pelos cinquenta e três países presentes à Conferência. Apesar disso, a tentativa de criação da OIC fracassou, em vista de os EUA não terem ratificado a Carta de Havana. Na Conferência de Havana, o texto da OIC sofreu algumas alterações, as quais não foram incorporadas ao Gatt, visto que posteriores à sua assinatura. O texto da OIC não entrou em vigor. De qualquer forma, uma nota interpretativa ao Art. 40, incorporada naquela Conferência, constituiu importante fonte de interpretação, base para o critério da não seletividade: "It is understood that any suspension, withdrawal or modification under paragraph 1(a), 1(b) and 3(b) must not discriminate against imports from any Member country, and that such action should avoid, to the fullest extend possible, injury to other supplying Member countries."6 Porém, ao longo das décadas de setenta e oitenta, muitas ações foram adotadas de forma seletiva, ou seja, indo de encontro à Cláusula da Nação Mais Favorecida7, uma vez que atingiam apenas certos países, as quais passaram a ser conhecidas como medidas de área cinzenta8 (grey area measures), das quais o Acordo de Restrição Voluntária, firmado entre o Brasil e os EUA, visando à autolimitação das exportações de certos produtos siderúrgicos, na década de oitenta, constitui exemplo. As medidas de área cinzenta emergiram como uma opção atrativa, uma vez que os países passaram a negociar ao largo das regras do Gatt. Acordos dessa natureza envolveram uma parcela importante do comércio de diversos produtos: automóveis, eletrônicos, aço, produtos agrícolas, têxteis e calçados. O status legal dessas medidas perante o Gatt nunca foi formalmente esclarecido. Na Rodada Tóquio de negociações multilaterais, esse foi um dos principais temas. As discussões centraram-se em alguns aspectos específicos: cláusula MFN, liberalização progressiva da medida, limite temporal, ajuste estrutural. A questão da seletividade tornou-se, desde o início das negociações, um ponto muito importante, possivelmente em razão da experiência com as medidas de área cinzenta. O histórico das negociações sobre salvaguardas demonstra a existência de interesses conflitantes: por um lado, a necessidade de prover o sistema multilateral de um conjunto de regras que permita aos países, de forma consistente com o Gatt, dar alívio temporário a certos setores e, por outro, a necessidade de limitar essa possibilidade, com vistas a permitir que os benefícios da liberalização comercial se façam sentir. O tema constou da Declaração Ministerial por intermédio da qual foi lançada a Rodada Tóquio de negociações multilaterais. Diversas questões se colocavam: a admissão ou não do afastamento da Cláusula da Nação Mais Favorecida; se as medidas de área cinzenta deveriam ser proibidas e, nessa hipótese, o estabelecimento de um prazo para sua eliminação; se a compensação e a retaliação remanesceriam como direitos, em se tratando de medida ao amparo do Art. XIX; se o ajuste estrutural constituiria uma condição para a aplicação da medida; o esclarecimento dos conceitos de prejuízo grave e de ameaça de prejuízo grave; se a transparência poderia ser "reforçada" etc. A Declaração de Tóquio mencionou expressamente a necessidade de um sistema de salvaguardas multilateral e, em particular, a aplicação do Art. XIX com vistas à preservação dos resultados da liberalização comercial. As divergências apontadas mostraram-se intransponíveis e, assim, na Rodada Tóquio não foi concluído um acordo sobre a matéria. As negociações sobre salvaguardas continuaram após o fim da Rodada. Apesar disso, até a Rodada Uruguai não foi alcançado um acordo. Conforme Stewart (1993), "Despite the work in the safeguard area, a comprehensive agreement on safeguards could not be negotiated. The main obstacle to an agreement remained, however, as in the Tokyo Round, between the parties favoring the position that safeguard measures be applied only on a non-discriminatory MFN-basis and those supporting selective action against the imports that constitute the principal cause of the injury [nota de rodapé omitida]. A related issue of disagreement was whether there was needs for the elimination of grey-area measures [nota de rodapé omitida]. As of 1985, there was no progress made on these central issues, and some countries refused to implement an agreement covering less than all of the issues even though a consensus of views could be reached on some issues [nota de rodapé omitida]. One result of failed efforts to negotiate a safeguard agreement was the continued resort by contracting parties of safeguard-type actions outside the GATT rules."9 Em novembro de 1983 foi composto um grupo independente, o qual apresentou, em março de 1985, um relatório denominado "Trade Policies for a Better Future: Proposals for Action". O Grupo recomendou que as medidas de área cinzenta deveriam ser colocadas em conformidade com as regras do Gatt, e que medidas de salvaguardas deveriam ser não seletivas: "it is therefore untrue that 'selective' actions helps to limit the extend of disruption of trade. Moreover, the process of discrimination against the most efficient suppliers contravenes the principle of comparative advantage and maximizes the cost to the world economy of the protection granted to the inefficient."10 Esse grupo também recomendou a preferência por medidas tarifárias e por sua liberalização progressiva no curso da vigência da medida, a qual deveria estar relacionada à assistência para ajuste. De acordo com Stewart (1993), apesar de não constituir um documento oficial do Gatt, esse relatório foi muito influente no curso das negociações da Rodada Uruguai. Na fase preparatória da Rodada Uruguai, "A group of developing countries including Brazil stated that the discussion of safeguards was clearly linked to the concept of standstill and rollback [nota de rodapé omitida]. As the new round would be intended to further liberalization of world trade, Brazil attached great importance to the establishment of clear and binding commitments to not 'introduce new restrictive measures outside GATT and to phase out any such measures already in existence' [nota de rodapé omitida]. As objectives for the new round, the Brazilian representatives recommended that: 1) a safeguards agreement should be accorded priority status; 2) safeguard actions should be based on the MFN principle; 3) a safeguard agreement should be comprehensive in nature and 4) finally, the safeguard negotiations should be aimed at clarifying and strengthening the disciplines of Article XIX [nota de rodapé omitda].11 Em 20 de setembro de 1986, foi lançada a Rodada Uruguai. Conforme Stewart (1993), "The Ministerial Declaration stated that a safeguard agreement must be based on GATT principles, and must contain the following elements (1) transparency, (2) coverage, 315 (3) objective criteria for action, including the concept of serious injury or thereat hereof (4) temporary nature, (5) degressivity and structural adjustment, (6) compensation and retaliation (7) notification, (8) consultation, (9) multilateral surveillance and (10) dispute settlement [nota de rodapé omitida].12 Na história das negociações do Acordo Sobre Salvaguardas, a seletividade sempre emergiu como uma questão bastante controversa. O texto do Art. XIX do Gatt não determina explicitamente que a medida seja aplicada sobre a base da cláusula MFN, embora tenha sido historicamente interpretado dessa forma. Os países em desenvolvimento estiveram comprometidos com esse entendimento. As Comunidades Europeias (CE), por seu turno, defenderam que se algum grau de seletividade fosse permitido, isso contribuiria para colocar as medidas de área cinzenta sob controle. Stewart (1993) aponta, ainda, que desde a Rodada Tóquio os EUA mudaram sua posição a esse respeito: antes alinhados com os países em desenvolvimento e o Japão, que defendiam a não seletividade, passaram a adotar uma postura mais flexível, considerando a possibilidade de aplicação seletiva das medidas de salvaguarda. A maior parte dos países em desenvolvimento - como Brasil, Índia e México - advogaram a proibição das medidas de área cinzenta. No início das negociações, os EUA chegaram a cogitar sua legalização. O Japão, por seu turno, manteve uma posição ambígua, o que, possivelmente, encontra explicação no fato de as indústrias japonesas terem realizado elevados lucros com a aplicação de tais medidas. No que diz respeito à compensação, a maioria dos participantes defendeu a manutenção desse direito, sendo reconhecido que o direito à retaliação exerce papel importante no sentido de conter o recurso às medidas de salvaguarda. Por outro lado, havia preocupação de que isso pudesse levar os países à adoção de medidas de área cinzenta. Muitos países tinham a percepção de que, na prática, não poderiam recorrer à retaliação, razão pela qual esse elemento poderia constituir base para negociação de outras questões, como, por exemplo, assegurar a natureza temporária da medida, a proibição de medidas de área cinzenta e a não seletividade. Importante, sobre essa questão, recordar o relato de 1984, do presidente do Conselho, sobre a matéria: "[...] it is recognized that the right to retaliate can, in practice, be used more effectively by some contracting parties than others. There is furthermore a convergence of views that the threat of retaliation could have a deterrent effect against the application of safeguard actions; the possibility of retaliation could also promote agreement on compensations. There is, at the same time, a recognition that retaliatory action has trade disruptive effects. The conclusion that many participants draw is that, wherever possible, constructive settlements should be reached involving compensation rather than the retaliatory withdrawal of benefits. In the view of participants from developing countries their special situation should be taken into account, in particular, as concerns retaliation and compensation."13 Quanto ao ajuste estrutural, as controvérsias giravam em torno de saber se a medida de salvaguarda poderia tomar a forma de ações governamentais (assistência financeira). A posição das CE visava à manutenção de alguma flexibilidade a esse respeito, mas tendo em conta que essas ações não poderiam causar dano a produtores no território de outra parte contratante. O Japão e os EUA opuseram-se a propostas que encorajassem investimentos financeiros do governo na indústria doméstica e foram contrários à introdução no acordo do requisito "ajuste estrutural". Apesar de concordar que o ajuste estrutural deveria ocorrer, sua posição era de que essa questão devia ser deixada nas mãos da indústria beneficiada com a medida. Conforme relatou o presidente do Conselho, em documento de 1985, "10. Some participants recognized that there was a link between safeguards and structural adjustments, and that safeguard measures are intended to give industries in a particular sector an appropriate period of time to adjust to changes in competitive circumstances. Other participants were of the view that there is no such link between structural adjustment - a long term process - and safeguard measures - actions taken in an emergency. Many participants were of the view that safeguard measures could not be used as a substitutes for structural adjustment."14 De qualquer forma, segundo Stewart (1993), o consenso em outras áreas tornou a questão ajuste estrutural menos importante e controversa. "improved consensus on a number of the core issues might also render the question of structural adjustment measures less important or controversial."15 A Rodada Uruguai teve como um de seus objetivos encontrar meios para levar os países em desenvolvimento a aderir às regras do Gatt, tendo em conta suas necessidades de desenvolvimento e problemas específicos. No que diz respeito às negociações sobre salvaguardas, os países desenvolvidos estiveram, desde o início, relutantes em concordar com a mera exclusão dos países em desenvolvimento do alcance das medidas ou com a adoção de regras menos rígidas com vistas à aplicação das medidas por esses países. Porém, não havia grandes reações à exclusão dos países menos desenvolvidos do alcance das medidas de salvaguarda. O pacote final, apesar de ter sido adotado o princípio da não seletividade, permitiu alguma flexibilidade. O fato é que não obstante as medidas de salvaguarda serem, em princípio, não seletivas, há regras que permitem, em alguma medida, a mitigação desse conceito. Por exemplo, o ASS permite a exclusão de países em desenvolvimento do alcance da medida, em razão do volume importado. Além disso, a seletividade também é admitida, sob certas condições, no contexto da alocação das cotas, que, em princípio, deveria atender ao desempenho histórico. Outro aspecto que em alguma medida mitiga a seletividade é o tratamento concedido aos parceiros preferenciais. O Art. XIX do Gatt 1994 e o Acordo Sobre Salvaguardas não tratam da matéria. O OSC desenvolveu o conceito denominado "paralelismo". Nas palavras de Messerlin e Fridh (2006)16, "Paralellism means that IF imports from a certain country are to be exempt from a certain measure, then those imports also need to be exempted from any determination of increased imports, injury and causality."17 A indústria doméstica foi definida no Art. 4.1.(c) do ASS como o conjunto dos produtores do produto similar ou diretamente concorrentes ou aqueles que respondam por proporção importante da produção total. Porém, da mesma forma que no contexto dos acordos antidumping e de subsídios e medidas compensatórias, não foi definido um patamar mínimo em termos de participação percentual na produção total. Além disso, também não foi estabelecida qualquer hierarquia entre a primeira definição (totalidade dos produtores) e a segunda (proporção importante). Stewart (1993) ressalta, ainda, que o texto final excluiu a linguagem do draft anterior que definiu "major proportion to mean 'normally' 50 percent or more but in no case less than 33 percent". Dito de outra forma, não há obrigação expressa, para a autoridade investigadora, de demonstrar nenhuma condição com vistas a analisar o conjunto dos produtores que respondam por "proporção importante" da produção total, ao invés de considerar a totalidade dos produtores do produto em questão. No caso de investigações com vistas à aplicação de medidas de salvaguarda, essa situação se torna ainda mais crítica, considerando que a indústria doméstica pode ser definida a partir de dois conceitos distintos: produto similar ou diretamente concorrente, os quais também não foram objeto de definição no ASS. Isso tem como decorrência que o alcance da proteção concedida pela medida de salvaguarda pode ser mais amplo do que em matéria de antidumping, por exemplo, que só contempla o conceito de produto similar. Nesse ponto, importa ressaltar que o ASS e o Art. XIX do Gatt 1994 também não definem um conceito crucial para a delimitação da indústria doméstica: produto objeto da investigação. Apesar de o ASS não conter uma definição de produto similar e de produto diretamente concorrente, alguns elementos são usualmente considerados com vistas a essa análise, tais como: características físicas, composição química, matérias-primas, processo produtivo, canal de distribuição, preços, uso final, percepção dos consumidores e classificação tarifária. Em síntese, pode-se dizer que a questão que se coloca é saber se os produtos importado e doméstico são intercambiáveis. Porém, a delimitação do conceito de produto similar em relação ao de produto diretamente concorrente não parece simples. A se considerar o conceito de produto similar contido no Acordo Antidumping, tal dificuldade só aumenta, uma vez que o produto similar também pode ser definido como aquele que possua características suficientemente semelhantes. Outra questão que parece não encontrar resposta no ASS é a de saber se no caso de haver, no Membro importador, produção de produtor similar ede produto diretamente concorrente, se o conceito de indústria doméstica deve incluir os fabricantes de ambos os produtos - similar e diretamente concorrente. Além disso, Sykes (2006) lembra que: "A question arises in some safeguard investigations whether upstream stages of processing may be included in the domestic industry competing with imports of finished products."18 Os antecedentes do OSC não contribuíram para responder a essa questão, pois no caso United States - Lamb, a autoridade investigadora dos EUA incluiu no conceito de indústria doméstica os criadores de ovelhas e os produtores de carne, sob o argumento de que existe uma forte coincidência de interesses econômicos entre esses. O Órgão de Apelação, em consonância com o painel, determinou que o conceito de indústria doméstica inclui apenas os produtores do produto similar ou diretamente concorrente. Assim, a questão que permanece em aberto, diz respeito a saber se o conceito de indústria doméstica poderá abarcar produtores de um bem primário, por exemplo, desde que esse seja considerado diretamente concorrente a um bem processado importado e vice-versa. Ou, dito de outra forma, "From a economic perspective, therefore, one can argue either way on the question whether at least certain exceptional cases, upstream domestic input products should be deemed 'directely competitive' with downstream imports. A final resolution of this issue must await further guindance from the Appellate body."19 O texto final do ASS introduziu novas obrigações no que diz respeito às notificações, com vistas a reforçar a transparência, criando o Comitê de Salvaguardas e claramente estabelecendo que as controvérsias estão sujeitas às regras dos Arts. XXII e XXIII do Gatt. Um aspecto interessante é que não obstante as medidas de salvaguarda sejam, regra geral, não seletivas, a possibilidade de compensação e de retaliação prevista no ASS é, em princípio, bilateral. A questão da retaliação também pode assumir contorno interessante, se considerada a possibilidade de que trata o Art. XIX.1.(b), que permite a aplicação de medida em nome de terceiro país, pois, nesse caso, poder-se-ia admitir que a retaliação atingisse o país exportador que requereu a aplicação da medida e não o importador, que aplicou a medida. O ASS (Art. 5.1) admite a adoção de medidas de salvaguarda na forma de restrição quantitativa. Foram, porém, estabelecidas certas condições com vistas ao cálculo da cota. Em princípio, as importações não deverão ser reduzidas a um nível inferior ao de um período recente (três últimos anos representativos para os quais se dispunha de estatísticas), salvo seja fornecida uma clara justificativa sobre por que seria necessário um nível diferente para prevenir ou remediar o prejuízo grave. O ASS não obriga à distribuição da cota entre os países fornecedores e o Membro que aplica a medida poderá buscar um acordo a respeito da alocação das cotas com outros Membros que tenham interesse substancial no fornecimento do produto de que se trate. Interessante notar que o ASS não provê assistência interpretativa quanto ao alcance de diversos conceitos relacionados a essas disposições. Em primeiro lugar, ao tratar do nível da cota, o ASS refere-se aos três anos representativos para os quais se disponha de estatística. A questão é saber o significado do termo representativo nesse contexto. Além disso, a expressão interesse substancial também não foi objeto de esclarecimento pelo ASS. De qualquer forma, não obstante o ASS estabeleça certas orientações com vistas à determinação e à alocação das cotas, a autoridade pode, mediante justificativa, afastar-se dessas orientações gerais. Nesse caso, devem ser fornecidas demonstrações claras de que as importações de certos Membros cresceram desproporcionalmente em relação às importações totais no período representativo e das razões por que o afastamento das regras de que trata o Art. 5.2(a) do ASS, relativas à alocação de cotas entre os Membros está justificada e de que o afastamento de tais regras é equitativo entre os fornecedores do produto em questão. Apenas, no caso de alocação de cotas entre os Membros que possuam interesse substancial no fornecimento do produto, o afastamento das orientações do ASS não é permitido nos casos de ameaça de prejuízo grave. Dos requisitos do Art. XIX do Gatt 1994 O título do Art. XIX é Emergency Action on Imports of Particular Products e parece sugerir que tais ações devem estar endereçadas a circunstâncias emergenciais. O Órgão de Apelação no caso Argentina - footwear (EC), após observar que o termo "emergency" aparece no Art. 11.1(a) do ASS e no próprio Art. XIX.1(a), ressaltou que "[...] in its context, demonstrates that safeguard measures were intended by the drafters of the GATT to be matters out of the ordinary, to be matters of urgency, to be, in short, 'emergency actions'. And, such 'emergency actions' are to be invoked only in situations when, as a result of obligations incurred under the GATT 1994, a Member finds itself confronted with developments it had not 'foreseen' or 'expected' when it incurred that obligation."20 As medidas de salvaguarda são, por sua própria natureza, temporárias, devendo vigorar na extensão necessária para prevenir ou remediar o prejuízo grave, o que de pronto introduz a questão de saber como determinar ex ante o período de vigência da medida. Tais medidas são usualmente interpretadas como direcionadas para enfrentar situações de perda de competitividade da indústria doméstica. No entanto, inexiste no Art. XIX do Gatt 1994 e no próprio ASS disposição expressa a esse respeito, salvo interpretado que a menção ao ajuste sustenta tal entendimento. No entanto, ainda no âmbito do Gatt, o presidente do Conselho fez constar em relato de 1984: "7. Article XIX permits governments to grant temporary protection where the producers in question are seriously injured (or threatened with serious injury) as a result of differences in competitiveness, and has generally been interpreted as requiring such measures of protection to be applied on a non-discriminatory basis. 8. The use of selective measures to deal with difficulties arising from differences in competitiveness not related to an unfair or trade distorting practice as defined in the relevant GATT provisions mentioned above would appear to be contrary to the basic concept in Article XIX and to the fundamental character of the multilateral trading system."21 O fato de as medidas de salvaguarda serem endereçadas ao comércio leal e não ao enfrentamento das consequências advindas da prática de dumping ou de subsídio parece reforçar essa interpretação. Além disso, ante a existência, no Gatt, de previsões específicas tratando de balanço de pagamentos e de países em desenvolvimento, pode-se inferir que as medidas adotadas no contexto do Art. XIX não devem se dirigir a problemas dessa natureza. A partir da análise da estrutura do Art. XIX e do Acordo Sobre Salvaguardas, pode-se concluir que as regras aplicáveis às investigações da espécie podem ser subdivididas em três grupos distintos, a saber: regras que tratam dos pré-requisitos e das condições para aplicação de medidas de salvaguarda; regras limitando o escopo e a natureza das medidas de salvaguarda; e regras relativas aos procedimentos a serem seguidos para implementação das medidas. Os pré-requisitos estão tratados, basicamente, no Art. XIX.a.(a) do Gatt 1994: "If, as a result of unforeseen developments and the effect of the obligations incurred by a contracting party under this Agreement, including tariff concessions, any product is being imported into the territory of that contracting party in such increased quantities and under such conditions as to cause or threaten serious injury to domestic producers in that territory of like or directly competitive products, the contracting party shall be free, in respect of such product, and to the extend and for such time as may be necessary to prevent or remedy such injury, to suspend the obligation in whole or in part or to withdraw or modify the concession." (grifo nosso) O ASS é endereçado a surtos de importação. Interessante notar, no entanto, que o texto legal determina que esse crescimento das importações poderá ser absoluto, quando poderia ser efetivamente caracterizado como um surto de importações, mas também poderá ser determinado em relação à produção doméstica22, quando, em termos absolutos, as importações poderiam até mesmo estar declinando. Os pré-requisitos para aplicação de uma medida de salvaguarda são, portanto, a presença de "circunstâncias imprevistas" e o "efeito das obrigações contraídas". Sykes (2006), referindo-se à decisão do Órgão de Apelação, relativa ao caso Korea - Dairy lembra que as condições para aplicação da medida estão definidas no Art. 2 do ASS. Assim, os elementos tratados no Art. XIX.1.(a) do Gatt 1994 não constituem "condições", porém um pré-requisito, uma questão de fato que, para fins práticos, tem o caráter de uma condição. O Acordo Sobre Salvaguardas não suplantou o Art. XIX do Gatt 1994. Ambos fazem parte do "pacote" da Rodada Uruguai. Além disso, o próprio ASS faz referência ao Art. XIX. Por isso, o Órgão de Apelação concluiu que os negociadores afirmaram a coexistência de ambos os instrumentos, que devem ser lidos cumulativamente e de tal forma que a interpretação de um não reduza as cláusulas do outro, tampouco as transforme em redundância ou inutilidade. Em termos práticos, isso equivale dizer que os pré-requisitos do Art. XIX do Gatt 1994 continuam em vigor. O Órgão de Apelação, no caso Argentina - Footwear (EC), revertendo decisão anterior do painel, observou: "We see nothing in the language of wither Article 1 or Article 11.1(a) of the Agreement on Safeguards that suggests an intention by the Uruguay Round negotiators to subsume the requirements of Article XIX of the GATT 1994 within the Agreement on Safeguards and thus to render those requirements no longer applicable. [...] This suggests that Article XIX continues in full force and effect, and, in fact, establishes certain prerequisites for the imposition of safeguard measures. Futhermore, in Article 11.1(a), the ordinary meaning of the language 'unless such action conforms with the provisions of that Article applied in accordance with this Agreement'... clearly is that any safeguard action must conform with the provisions of Article XIX of the GATT 1994 as well as with the provisions of the Agreement on Safeguards. Neither of these provisions states that any safeguard action taken after the entry into force of the WTO Agreement need only conform with the provisions of the Agreement on Safeguards."23 Para Messerlin e Fridh (2006), "circunstâncias imprevistas" podem ser definidas como um evento que não foi previsto na ocasião em que o Membro negociou a concessão sobre o produto de que se trate. O painel US - Steel Safeguards, em decisão que não foi objeto de apelação, determinou que: "[...] Further, what constitutes 'unforeseen developments' for an importing Member will vary depending on the context and the circumstances. Nevertheless, the subjectivity of the standard does not take away from the fact that the unexpectedness of a development for an importing Member is something that must be demonstrated through a reasoned and adequate explanation. In addition, the standard for unforeseen developments may also be said to have an objective element. The appropriate focus is on what should or could have been foreseen in light of the circumstances. The standard is not what the specific negotiators had in mind but rather what they could (reasonably) have had in mind. This was recognized early in GATT by the US - Fur Felt Hats decision, which characterized unforeseen developments as 'developments [...] which it could not be reasonable to expect that the negotiators of the country making the concession could and should have foreseen at the time when the concession was negotiated."24 Citando antecedentes do OSC (Argentina - Footwear), Sykes (2006) ressalta que o painel sugere que o que é previsto pode ser avaliado à luz da experiência passada e que eventos que não se afastam de forma significativa da experiência histórica podem ser classificados como previsíveis. O requisito "circunstâncias imprevistas", além de constituir algo inesperado não se confunde com aumento das importações. Conforme o painel Argentina - Preserved Peaches, "[...] a statment that the increase in imports, or the way in which they were being imported, was unforeseen, does not constitute a demonstration as a matter of fact of the existence of unforeseen developments."25 Messerlin e Fridh (2006) chamam atenção para possibilidades interpretativas relacionadas ao elemento "por força das obrigações contraídas". Não obstante pudesse ser argumentado que medidas de salvaguarda somente poderiam ser aplicadas ante concessão tarifária prévia, o Órgão de Apelação no caso Argentina - Footwear (EC) esclareceu que essas obrigações podem ser de outra natureza, não se limitando àquelas relacionadas à tarifa: "[W]e believe that this phrase simply means that it must be demonstrated, as a matter of fact, that the importing Member has incurred in obligations under GATT 1994, including tariff concessions. Here, we note that the Schedules annexed to the GATT 1994 are made an integral part of Part I of that Agreement, pursuant to paragraph 7 of Article II of the GATT 1994. Therefore, any concession or commitment in a Member's Schedule is subject to the obligations contained in Article II of the GATT 1994."26 Assim, no que diz respeito ao pré-requisito "por força das obrigações contraídas", uma interpretação possível é que surtos de importação sempre decorrem das obrigações contraídas, uma vez que tais obrigações impedem a elevação da tarifa de importação e/ou a adoção de restrições quantitativas, a fim de responder ao crescimento das importações. Conforme Sykes (2006), "the effect of obligations incurred can be established in any case where tariffs are bound and cannot be raised."27 Há outro aspecto importante a ser notado no que diz respeito aos requisitos tratados no Art. XIX do Gatt 1994. Conforme o entendimento já firmado pelo Órgão de Apelação no caso US - Lamb, "W[e] observe that Article 3.1 requires competent authorities to set forth findings and reasoned conclusions on 'all pertinent issues of fact and law' in their published report. As Article XIX.1(a) of the GATT 1994 requires that 'unforeseen developments' must be demonstrated as a matter of fact for a safeguard measures to be applied the existence of 'unforeseen developments' is, in our view, a pertinent issue [ ] of fact and law - under Article 3.1, for the application of a safeguard measure, and it follows that the published report of the competent authorities, [...] must contain a 'finding' or 'reasoned conclusion' on 'unforeseen developments'."28 No painel Chile - Price Band foi, ainda, firmado o entendimento de que explicaçõesex post facto não cumprem esse requisito e o Órgão de Apelação, no caso US - Steel Safeguards apontou, ainda, que a autoridade investigadora deve prover uma explicação fundamentada e adequada de como os fatos sustentam as conclusões relativas à existência dos pré-requisitos, inclusive "unforeseen developments". Ou seja, cabe à autoridade investigadora fornecer tais explicações e não ao painel buscar elementos que amparem tal conclusão. Do Crescimento das Importações Não há dúvidas de que o crescimento das importações é um requisito para a aplicação de uma medida de salvaguarda. O ASS, no Art. 2.1, especificou que esse crescimento pode ser absoluto ou em relação à produção doméstica. Uma questão que o Art. XIX e o ASS não resolvem diz respeito à magnitude do crescimento de tais importações. Sykes (2006) lembra que o Acordo não trata simplesmente de "increased quantities", porém de "such increased quantitites", o que parece sugerir que não é qualquer crescimento das importações que demonstra a presença desse requisito. Outro elemento que também não foi objeto de esclarecimento nas normas que regem a matéria é o período a ser considerado nessa análise. Diversos países vêm adotando o mesmo período usualmente considerado nas análises em matéria de antidumping, qual seja cinco anos. Não obstante os antecedentes junto ao OSC não tenham contribuído para fornecer uma orientação definitiva sobre como a autoridade investigadora deve conduzir essa análise, alguns elementos importantes foram apontados. Em primeiro lugar, uma análise ponto a ponto, por exemplo, considerando apenas o primeiro e o último ano do período analisado parece não ser suficiente com vistas a demonstrar a presença do requisito "crescimento das importações". O painel Argentina - Footwear (EC), numa decisão posteriormente confirmada pelo Órgão de Apelação, considerou que: "[...] In other words, if an increase in imports in fact is present, this should be evident both in and end-point-to-end-point comparison and in an analysis of intervening trends over the period. That is, the two analyses should be mutually reinforcing. Where as here their result diverge, this at least raises doubts as to whether imports have increased in the sense of Article 2.1. [...] [T]he question of whether any decline is 'temporary' is relevant in assessing whether the 'increased imports' requirement or Article 2.1 has been met. In this context, we recall Article 4.2(a)'s requirement that the intervening trends of imports over the period of investigation be analysed. We not that the term 'rate' connotes both speed and direction, and thus intervening trends (up or down) must be fully taken into consideration. Where these trends are mixed over a period of investigation, this may be decisive in determining whether an increase in imports in the sense of Article 2.1 has occurred. In practical terms, we consider than the best way to assess the significance of any such mixed trends in imports is by evaluating whether any downturn in imports is simply temporary, or instead reflects a long term change."29 Dito de outra forma, a autoridade investigadora deverá examinar o comportamento das importações ao longo de todo o período considerado e não somente nos extremos da série analisada. Além disso, uma vez que o comportamento das importações oscile ao longo do período, mesmo denotando crescimento de um extremo a outro, deverão ser apresentadas explicações que amparem a conclusão relativa ao crescimento das importações, particularmente esclarecendo as razões pelas quais eventuais quedas ao longo do período não afastaram aquela conclusão. Tais quedas devem ter sido temporárias. O próprio Órgão de Apelação esclareceu que a determinação acerca desse requisito não é uma questão meramente matemática ou técnica. Não basta demonstrar que as importações num certo ano superaram aquelas do último ano ou de cinco anos atrás, concluindo que "[...] this language in both Article 2.1 of the Agreement on Safeguards and Article XIX.1(a) of the GATT 1994, we believe, requires that the increase in imports must have been recent enough, sudden enough, sharp enough, and significant enough, both quantitatively and qualitatively, to cause of threaten to cause 'serious injury'."30 Citando o painel Argentina-Footwear, Sykes (2006) lembra que o Órgão de Apelação, referindo-se à expressão "is being imported" do Art. 2.1 do ASS concluiu que as autoridades investigadoras devem examinar as importações recentes e não apenas as modificações ocorridas durante o período analisado. Portanto, resta saber se é requisito que as importações continuem crescendo no último período considerado nessa análise. O painel US - Line Pipe, numa determinação que não foi reexaminada pelo Órgão de Apelação concluiu que "We are also of the view that the fact that the increase in imports must be 'recent' does not mean that it must continue up to the period immediately preceding the investigating authority's determination, nor up to the very end of the period of investigation. We find support for our view in Article 2.1, which provides 'that such product is being imported in such increase quantities'. The Agreement uses the word 'increased' indicates to us that there is no need for a determination that imports are presently still increasing. Rather, imports could have 'increased' in the recent past, bust not necessarily be increasing up to the end of the period of investigation or immediately preceding the determination. Provided the investigated product 'is being imported' at such increased quantities at the end of the period of investigation, the requirements of Article 2.1 are met."31 Não há, portanto, uma regra expressa com vistas a determinar o quão recentemente deve ter ocorrido o crescimento das importações e em que montante. De qualquer forma, é certo que uma mera comparação entre dois pontos não é suficiente para demonstração da condição do Art. 2.1 do ASS. Uma vez que as importações tenham diminuído no último período, cabe à autoridade investigadora apresentar as razões que levaram a concluir pela presença desse requisito. De qualquer forma, não parece razoável alcançar uma conclusão de crescimento das importações no contexto do ASS quando no último ano as importações declinaram de forma a alcançar patamar inferior àquele do(s) primeiro(s) ano(s) da série considerada. Por outro lado, uma vez que mesmo com a queda no último período as importações tenham se mantido em patamar superior àquele dos primeiros anos da série analisada, essa redução não necessariamente afastará a conclusão positiva quanto à presença da condição "crescimento das importações". Note-se, ainda, que o painel US - Steel Safeguards, numa decisão posteriormente confirmada pelo Órgão de Apelação, decidiu que: "[...] imports need not be increasing at the time of the determination; what is necessary is that imports have increased, if the products continue 'being imported' in (such) increased quantities. The Panel therefore agrees with the US - Line Pipe Panel's view that the fact that the increase in imports must be 'recent' does not means that it must continue up to the period immediately preceding the investigating authority's determination, nor up to the very end of the period of investigation. [...] As pointed out by the Panel [...] the most recent data must be the focus, but should not be considered in isolation from the data pertaining to the less recent portion of the period of investigation. However, as indicated by the present continuous 'are being', there is an implication that imports, in the present, remain at higher (i.e. increased) levels. [...] Facts that must be taken into account are the duration and the degree of the decrease at the end of the relevant period of investigation, as well as the nature, for instance the sharpness and the extend, of the increase that intervened beforehand."32 Além disso, foi esclarecido, nesse mesmo caso, que o termo "such", que aparece na expressão "such increased quantitites", está relacionado ao prejuízo ou ameaça de prejuízo grave, no sentido de que tal crescimento deverá ser apto a causar ou ameaçar causar prejuízo grave. Em síntese, num caso em que as importações não tenham crescido ininterruptamente ao longo do período analisado, uma análise ponto a ponto não será suficiente para demonstrar a presença da condição "such increased quantitites", inclusive porque a escolha dos períodos poderia alterar significativamente a conclusão, dando ensejo à possibilidade de manipulação. Os painéis sobre a matéria insistem que deverá ser fornecida uma "reasoned and adequate explanation". Assim, o caminho mais seguro parece ser o de examinar a evolução das importações ano a ano, esclarecendo as razões que levaram a autoridade investigadora a determinar a existência, no caso concreto, de "such increased quantities", principalmente quando ao longo do período analisado as importações tenham oscilado. Outro elemento importante relacionado a essa análise diz respeito à expressão "and under such conditions". Diversos painéis (Korea - Dairy, Argentine - Footwear e US - Wheat Gluten) examinaram a questão, tendo concluído que esse não constitui um requisito em separado. Esse entendimento foi confirmado pelo Órgão de Apelação: "[...] under Article 2.1, the causation analysis embraces two elements: the first relating to increased 'imports' specifically and the second to the 'conditions' under which imports are occurring. [...] As for the second element under Article 2.1, we see it as a complement to the first. While the first element refers to increased imports specifically, the second relates more generally to the 'conditions' in the marketplace for the product concerned that may influence the domestic industry. Thus, the phrase 'under such conditions' refers generally to the prevailing 'conditions', in the marketplace for the product concerned, when the increase in imports occurs. Interpreted in this way, the phrase 'under such conditions' is a shorthand reference to the remaining factors listed in Article 4.2(a), which relate to the overall state of the domestic industry and domestic market, as well as to other factors 'having a bearing on the situation of [the] industry. The phrase 'under such conditions', therefore, supports the view that, under Articles 4.2(a) and 4.2(b) of the Agreement on Safeguards, the competent authorities should determine whether the increase in imports, not alone, but in conjunction with the other relevant factors, cause serious injury."33 Do Prejuízo Grave No que diz respeito à determinação de prejuízo grave (serious injury), em primeiro lugar deve ser notado que o ASS, comparativamente ao Acordo Antidumping, por exemplo, qualificou esse dano como sério, grave, o que parece sugerir que ostandard é mais alto do que aquele do ADA. Conforme o Órgão de Apelação, no caso US - Lamb: "We are fortified in our view that the standard of 'serious injury' in the Agreement on Safeguards is a very high one when we contrast this standard with the standard of 'material injury' envisaged under the Anti-Dumping Agreement, the Agreement on Subsidies and Countervailing [...] and the GATT 1994. We believe that the word 'serious' connotes a much higher standard of injury than the word 'material'. Moreover, we submit that it accords with the object and purpose of the Agreement on Safeguards that the injury standard for the application of a safeguard measure should be higher than the injury standard for anti-dumping or countervailing measures, since [...] [t]he application of a safeguard measure does not depend upon 'unfair' trade actions, as is the case with anti-dumping or countervailing measures. Thus, the import restrictions that are imposed on products of exporting member when a safeguard action is taken must be seen [...] as extraordinary. And, when construing the prerequisites for taking such actions, their extraordinary nature must be taken into account."34(grifo nosso) Os conceitos de prejuízo e ameaça de prejuízo grave estão tratados no Art. 4 do ASS. A definição de prejuízo grave não fornece orientação decisiva, limitando-se a estipular que equivale a uma deterioração significativa na posição da indústria doméstica. O conceito de ameaça, por sua vez, equivale a uma situação em que o prejuízo grave seja claramente iminente e sua determinação deverá se basear em fatos e não em meras alegações, conjecturas ou remota possibilidade. Interessante notar que o Órgão de Apelação, no caso US - Line Pipe concluiu que: "In the sequence of events facing a domestic industry, it is fair to assume that, often, there is a continuous progression of injurious effects eventually rising and culminating in what can be determined to be 'serious injury'. Serious injury does not generally occur suddenly. Present serious injury is often preceded in time by an injury that threatens clearly and imminently to become serious injury, as we indicated in US - Lamb. Serious injury is, in other words, often the realization of a threat of serious in jury. Although in each case, the investigating authority will come to the conclusion that follows from the investigation carried out in compliance with Article 3 of the Agreement on Safeguards, the precise point where a 'threat of serious injury' becomes 'serious injury' may sometimes be difficult to discern. But clearly, 'serious injury' is something beyond 'a threat of serious injury'. [...] And, since a 'threat' of serious injury is defined as 'serious injury' that is 'clearly imminent' it logically follows, to us, that 'serious injury' is a condition that is above that lower threshold of a 'threat'. A 'serious injury' is beyond a 'threat' and, therefore, is above the threshold of a 'threat' that is required to establish a right to apply a safeguard measure."35 Apesar das dificuldades apontadas com vistas a definir o momento em que a ameaça de prejuízo grave passa a consistir prejuízo grave, a obrigação que recai sobre a autoridade investigadora de fornecer explicações adequadas e fundamentadas sobre as conclusões alcançadas parece sugerir que a aplicação de uma medida de salvaguarda sem que a autoridade investigadora explique, no caso concreto, as razões pelas quais a levaram a concluir pela existência de prejuízo ou ameaça de prejuízo grave, implicaria em risco significativo de a medida vir a ser declarada inconsistente com as regras multilaterais pelo OSC. Outro elemento importante é que da mesma forma que no Acordo Antidumping e de Subsídios e Medidas Compensatórias, o ASS não esclarece como os distintos indicadores de desempenho da indústria doméstica deverão ser ponderados. O painel, no caso US - wheat Gluten, determinou que: "[W]e do not consider that a negative trend in every single factor examined is necessary in order for an industry to be in a position of significant overall impairment. Rather, it is the totality of the trends, and their interaction, which must be taken into account in a serious injury determination. Thus, such upturns in a number of factors would not necessarily preclude a determination of serious injury. It is for the investigating authorities to assess and weigh the evidence before them, and to give an adequate, reasoned and reasonable explanation of how the facts support the determination made."36 Dito de outra forma, não é necessário que a totalidade dos indicadores de desempenho de análise obrigatória, listados no Art. 4.2(c) do ASS estejam declinando, cabe à autoridade investigadora, no caso concreto, esclarecer por que a evolução positiva de certos indicadores de desempenho não afasta a conclusão positiva sobre a existência de prejuízo ou ameaça de prejuízo grave. Interessante, ainda, notar que o painel US - Lamb considerou que tanto o crescimento das importações quanto a análise relativa ao prejuízo grave deverão considerar o passado recente. Esse ponto não foi abordado especificamente pelo Órgão de Apelação, porém parece consistente, considerando o primeiro aspecto da análise relativa à relação de causalidade, que diz respeito à correlação temporal, entre o crescimento das importações e seus efeitos sobre os indicadores de desempenho da indústria doméstica e a conclusão de que o crescimento das importações deve ser recente. E mais, esse painel, no que diz respeito à determinação de ameaça de prejuízo grave, ressaltou que essa análise é voltada para o futuro, do que decorre que as ocorrências no início do período de investigação são menos relevantes do que aquelas do final do período. Porém, uma determinação de ameaça de prejuízo não poderá ter como base a "ameaça" de crescimento das importações, pois aí sim tal determinação estaria baseada em alegações ou conjecturas, ao invés de amparada em fatos, tal como requerido pelo Art. 4.1.(b) do Acordo Sobre Salvaguardas. A esse respeito, o Órgão de Apelação, no painel US - Lamb esclareceu que: "[W]e agree with the Panel that a threat determination is 'future-oriented'. However, Article 4.1.(b) requires that a 'threat' determination be based on 'facts' and not on 'conjecture'. As facts, by their very nature, pertain to the present and the past, the occurrence of future events can never be definitively proven by facts. There is, therefore, a tension between a future-oriented 'threat' analysis, which, ultimately, calls for a degree of 'conjecture' about the likelihood of a future event, and the need for a fact-based determination. Unavoidably, this tension must be resolved through the use of facts from the present and the past to justify the conclusion about the future, namely that serious injury is 'clearly imminent'. Thus, a fact-based evaluation, under Article 4.2.(a) of the Agreement on Safeguards, must provide the basis for a projection that there is a high degree of likelihood of serious injury to the domestic industry in the very near future."37 De qualquer forma, isso não equivale dizer que a autoridade investigadora pode basear sua determinação exclusivamente em dados do passado mais recente. Pelo contrário, deverá considerar todo o período de investigação. Isso porque é possível que essa indústria, após experimentar uma situação temporária altamente favorável, esteja retornando à situação anterior, do que decorreria que uma determinação baseada apenas nos dados mais recentes indicaria a deterioração da situação da indústria doméstica. Ainda quanto à ameaça de prejuízo grave, o Órgão de Apelação, no caso US - Lamb, lembrou que se trata do prejuízo grave que ainda não ocorreu, mas que permanece como um evento futuro, cuja materialização ainda não ocorreu, chamando atenção para o fato de o ASS dispor que a ameaça deverá ser claramente iminente e que este último termo diz respeito ao momento no tempo em que essa ameaça deve se materializar. O termo "claramente" qualifica o termo "iminente", numa indicação de que deve haver um alto grau de probabilidade de o prejuízo grave se materializar num futuro próximo. Ainda, tendo em conta que o texto do ASS determina que uma determinação de ameaça de prejuízo grave deve se basear em fatos e não em alegações, conjecturas ou possibilidades remotas, disso decorre que a expressão "claramente iminente" indica que, como questão de fato, deve ser manifesto que a indústria doméstica está em vias de sofrer prejuízo grave. No que diz respeito aos fatores listados no Art. 4.2(a) do ASS, o painel Korea - Dairy esclareceu que esses fatores são de análise obrigatória, porém essa lista não é exaustiva: " [...] The use of the wording 'in particular' makes it clear to us that, among 'all relevant factors' that the investigating authorities 'shall evaluate', the consideration of the factors listed is always relevant and therefore required, even though the authority may later dismiss some of them as not having a bearing on the situation of that industry."38 Dito de outra forma, esses indicadores - taxa e volume de crescimento das importações, parcela do mercado absorvida pelas importações crescentes, alterações do nível de vendas, da produção, da produtividade, da utilização da capacidade instalada, das perdas e lucros e do emprego - constituem um mínimo. Esse entendimento foi reiterado no painel Argentina - Footwear (EC) e pelo Órgão de Apelação, nesse mesmo caso. Isso não quer dizer que todos esses indicadores são probatórios. Porém, ainda que num caso particular um ou outro indicador de desempenho não seja considerado relevante, deve ser necessariamente analisado. O Art. 4.2(a) do ASS estabelece para a autoridade investigadora a obrigação de examinar todos os fatores pertinentes, de caráter objetivo e quantificáveis que tenham relação com a situação da indústria doméstica. O Órgão de Apelação, no caso US - Lamb, esclareceu que os dados devem ser suficientes e representativos da indústria doméstica, mesmo reconhecendo que o que poderá ser considerado "suficiente" em cada caso vai depender da particularidade da indústria doméstica em questão. Conforme Sykes (2006), "The general lesson is that national authorities must identify and coherently respond to arguments questioning the existence of serious injury. Conclusory dismissal of such arguments, or a failure to address them altogether in the published report, raises a considerable risk that a panel will find a lack of reasoned and adequate basis for the injury finding. National authorities must also make clear how the data on which they rely is reasonably representative of the domestic industry and address any concerns about its statistical soundness."39 Interessante notar que a análise dos preços não está listada no Art. 4.2(a), como um fator relevante relacionado à situação da indústria doméstica. Tendo esse fato como base, diversos painéis concluíram que essa análise não é mandatória. Isso, porém, não equivale dizer que essa análise não é relevante. Sua relevância pode variar caso a caso. Alguns painéis destacaram que a relevância dessa análise pode variar caso a caso, tendo em conta que se o "preço" é uma das formas de competição, certamente não é a única. Nesse contexto, o painel US - Steel Safeguards, num entendimento que não foi reexaminado pelo Órgão de Apelação, concluiu que a análise do preço é uma das mais importantes, senão a mais importante no contexto das condições de concorrência num mercado particular, o que sugere que essa análise estaria mais fortemente relacionada ao nexo causal: "[...] the existence of absence of underselling by imports cannot, on its own, lead to a definitive conclusion regarding the presence or otherwise of a causal link between the increased imports and the serious injury. In our view, pricing trends must always be considered in context. It is only after this contextual consideration that conclusions can be drawn regarding the existence of otherwise the causal link."40 De qualquer forma, a relação entre o preço do produto importado e o preço da indústria doméstica, muito provavelmente, vai ensejar efeitos em outros indicadores de desempenho, como, por exemplo, a lucratividade. Assim, muito embora esse indicador de desempenho não esteja expressamente listado no Art. 4.2(a) do ASS, parece ser muito difícil concluir pela existência de prejuízo ou ameaça de prejuízo grave sem que os preços sejam analisados. Da Causalidade O Art. XIX.4.2(b) do ASS trata da relação de causalidade, estipulando que quando outros fatores além das importações crescentes estejam ao mesmo tempo causando dano à indústria doméstica, esse dano não será atribuído às importações. O Órgão de Solução de Controvérsias da OMC tratou do tema em diversas oportunidades, tendo firmado o entendimento de que deve ser efetuada uma análise em três etapas: coincidência das tendências, condições de concorrência e outros fatores. O primeiro aspecto da análise diz respeito à correlação temporal, demonstrada a partir da coincidência entre o crescimento das importações e a deterioração dos indicadores de desempenho da indústria doméstica. A coincidência temporal constitui elemento central da análise da relação de causalidade. Porém, essa coincidência não necessita ser absoluta. Dito de outra forma, a ausência de coincidência absoluta, por si só, não impede que seja alcançada uma determinação positiva de relação de causalidade. Ainda no que diz respeito a esse primeiro aspecto dessa análise em três níveis, o painel concluiu que não obstante a coincidência das tendências não seja suficiente, por si só, para comprovar a existência de relação de causalidade, sua ausência poderia indicar que há outros fatores além das importações afetando a indústria doméstica. É interessante lembrar que o painel US - Steel Safeguards, numa decisão que não foi reexaminada pelo Órgão de Apelação, esclareceu que "[...] Upward movements in imports should normally occur at the same time as downward movements in injury factors in order for coincidence to exist. We not that, below, we qualify these comments to take account of cases where a lat exists between the influx of imports and the manifestation of the effects of injury suffered by the domestic industry."41 Dito de outra forma, o efeito prejuízo ou ameaça de prejuízo grave pode ser concomitante ou posterior ao aumento das importações. No entendimento daquele painel, "[...] there may be instances in which injury may be suffered by an industry at the same point in time as the influx of increased imports. However, the injury that is caused at that point in time may not become apparent until some later point in time. In other words, there may be a lag between the influx of imports and the manifestation of the injurious effects on the domestic industry of such an influx."42 Porém, tal circunstância deverá ser objeto de explicação pela autoridade investigadora, com base em dados objetivos. A segunda etapa dessa análise diz respeito à expressão "under such conditions", que consta do ASS, especificamente no Art. 2.1. O painel no caso Argentina - Footwear (EC) concluiu que a análise pertinente a essa segunda etapa constitui, na verdade, a substância da relação de causalidade a ser realizada ao amparo dos Arts. 4.2(a) e 4.2(b) do ASS: "We believe that the phrase 'under such conditions' would indicate the need to analyse the conditions of competition between the imported product and the domestic like or directly competitive products in the importing country`s market. That is, it is these 'conditions of competition' in the importing country's market that will determine whether increased imports cause or threaten to cause serious injury to the domestic industry. [...] Seen another way, for a safeguard measure to be permitted, the investigation must demonstrate that conditions of competition in the importing country's market are such that the increased imports and do cause or threaten to cause serious injury. Article 4.2(a) confirms this interpretation, in requiring that the competent authorities 'evaluate all relevant factors of an objective and quantifiable nature having a bearing on the situation of that industry' which is be conducted on the basis of 'objective evidence'. In our view, these provisions give meaning to the phrase 'under such conditions', and support as well our view that for an analysis to demonstrate causation, it must address specifically the nature of the interaction between the imported and domestic products in the domestic market of the importing country. That is, we believe that the phrase 'under such conditions' in fact refers to the substance of the causation analysis that must be performed under Article 4.2(a) and (b)."43 Esse mesmo painel ressaltou que há diferentes formas de competição e que os preços de venda são uma delas, mas não a única, podendo ter mais ou menos relevância a depender do caso específico. Outras formas de competição se relacionam a características físicas (incluindo parâmetros técnicos ou outros aspectos relacionados ao desempenho, aparência, estilo ou moda), qualidade, serviços, entrega, desenvolvimento tecnológico, gosto do consumidor e outros fatores relacionados à oferta e à demanda no mercado. A terceira etapa da análise da relação de causalidade diz respeito aos outros fatores, à não atribuição. Trata-se de separar e distinguir o prejuízo grave causado por outros fatores, além das importações. A obrigação que emerge dos antecedentes do OSC é que a contribuição das importações crescentes para o prejuízo grave deverá ser suficientemente clara de forma a estabelecer a relação de causalidade. Isso não equivale dizer que esse prejuízo grave deverá ser exclusivamente causado pelas importações ou que essas tenham de ser suficientes de per se para causar o prejuízo grave, porém que tais importações devam ter contribuído para o resultado prejuízo grave. Segundo o Órgão de Apelação, no caso US - Lamb: "[...] the Agreement on Safeguards does not require that increased imports be 'sufficient' to cause, or threaten to cause, serious injury. Nor does that Agreement require that increase imports 'alone' be capable of causing, or threatening to cause, serious injury."44 A esse respeito, importa notar que a obrigação que recai sobre a autoridade investigadora de avaliar todos os fatores relevantes, tratada no Art. 4.2(a) do ASS se relaciona ao escopo da obrigação da autoridade na condução da investigação: "The competent authorities must, in every case, carry out a full investigation to enable them to conduct a proper evaluation of all of the relevant factors expressly mentioned in Article 4.2(a) [...]. Moreover, Article 4.2(a) requires the competent authorities - and not the interested parties - to evaluate fully the relevance, if any, of 'other factors'. If the competent authorities consider that a particular 'other factor' may be relevant to the situation of the domestic industry [...] their duties of investigation and evaluation preclude them from remaining passive in the face of possible short-comings in the evidence submitted, and views expressed, by the interested parties. In such cases, where the competent authorities do not have sufficient information before them to evaluate the possible relevance of such an 'other factor', they must investigate fully that 'other factor', so that they can fulfill their obligation of evaluation under Article 4.2(a). [...] Therefore, the competent authorities must undertake additional investigative steps, when the circumstances so require, in order to fulfill their obligation to evaluate all relevant factors."45 Nesse mesmo caso, o Órgão de Apelação esclareceu que a obrigação da autoridade investigadora não se limita às questões claramente colocadas pelas partes interessadas. Por outro lado, também não recai sobre a autoridade investigadora uma obrigação ilimitada a esse respeito. Disso decorre que a autoridade investigadora, no contexto da análise da não atribuição, não necessita considerar apenas os outros fatores que foram claramente alegados pelas partes interessadas: "[...] requires the competent authorities - and not the interested parties - to evaluate fully the relevance, if any, of 'other factors. If the competent authorities consider that a particular 'other factor' may be relevant to the situation of the domestic industry, under Article 4.2(a), their duties of investigation and evaluation preclude them from remaining passive in the face of possible short-comings in the evidence submitted, and views expressed, by the interested parties..."46 Por outro lado, o próprio Órgão de Apelação decidiu que a obrigação da autoridade investigadora de investigar outros fatores não é ilimitada. Os antecedentes do Órgão de Solução de Controvérsias informam a necessidade de separar e distinguir os efeitos causados por outros fatores, além das importações. O Órgão de Apelação, no caso US - Wheat Gluten esclareceu que: "Article 4.2(b) presupposes, therefore, as a first step in the competent authorities examination of causation, that the injurious effects caused to the domestic industry by increased imports are distinguished from the injurious effects caused by other factors. The competent authorities can then, as a second step in their examination, attribute to increased imports, on the one hand, and, by implication, on the other hand, 'injury caused by all of these different factors, including increased imports. Through this two stage process, the competent authorities comply with Article 4.2(b) by ensuring that any injury to the domestic industry that was actually caused by factors other than increased imports is not 'attributed' to increased imports and is, therefore, not treated as if it were injury caused by increased imports, when it is not. In this way, the competent authorities determine, as a final step, whether 'the causal link' exists between increased imports and serious injury, and whether this causal link involves a genuine and substantial relationship of cause and effect between these two elements, as required by the Agreement on Safeguards."47 O fato concreto a respeito de tal obrigação é que o OSC não esclareceu como as autoridades investigadoras deverão cumprir tal obrigação. A própria análise em três etapas da análise de causalidade não consta expressamente do Art. XIX do Gatt 1994 ou do Acordo Sobre Salvaguardas, constituindo, então, numa interpretação dos textos legais pelo OSC. Assim, essa análise se mostrará extremamente complexa nos casos em que outros fatores, além das importações crescentes possam, concomitantemente, estar contribuindo para o prejuízo grave (ou ameaça) experimentado pela indústria doméstica. O OSC definiu, ainda, que essa análise deve se basear em dados objetivos. Além disso, a demonstração de relação causal deverá constar do relatório da investigação, nos termos dos Artigos 3.1 e 4.2(c) do ASS. O painel US - Steel Safeguards, num entendimento que não foi reexaminado pelo Órgão de Apelação, tratou da questão do uso de métodos quantitativos e modelos econométricos: "We note, first, that the text of the Agreement on Safeguards does not require quantification. However, in the Panel's view both the Agreement on Safeguards and relevant jurisprudence anticipate that quantification may occur. In addition, the Panel considers that quantification may be particularly desirable in cases involving complicated factual situations where quantitative analyses may not suffice to more fully understand the dynamics of the relevant marke. In support, we note that Article 4.2(a) of the Agreement on Safeguards refers to 'factors of [a] quantifiable nature.' [...] we consider that Articles 4.2(a) and 4.2(b) must re read together and in a mutually consistent fashion. Therefore, the factors referred to in Article 4.2(a) must be taken into consideration in undertaking the non-attribution exercise (in addition to any other factors that may be relevant). In addition, the requirement in Article 4.2(a) that evaluated factors be of a 'quantifiable nature' implies that at least some of the factors assessed in the non-attribution exercise will be quantifiable and, in those circumstances, should be quantified."48 Assim, esse painel concluiu que a quantificação pode ser desejável, útil e eventualmente necessária, a depender das circunstâncias do caso. Porém, o próprio painel reconheceu que a quantificação pode ser difícil e imperfeita. Assim, seus resultados não serão necessariamente determinantes. De acordo com o Órgão de Apelação no caso US - Line Pipe, a última sentença do Art. 4.2(b) do ASS estabelece uma obrigação de ordem procedimental: identificar a natureza e a extensão dos efeitos prejudiciais causados por outros fatores conhecidos, além das importações crescentes e explicar satisfatoriamente a natureza e a extensão de tais efeitos prejudiciais de outros fatores e distingui-los dos efeitos prejudiciais das importações crescentes. Tal explicação não poderá ser ambígua e deverá ser clara. Há autores que argumentam que, do ponto de vista do livre mercado, o volume importado é determinado por diversos elementos, tais como: oferta, demanda doméstica, preço mundial etc. Assim, o volume importado seria resultado da interação entre esses diversos elementos, do que decorreria ser incoerente perguntar se o crescimento das importações poderia constituir causa do prejuízo grave à indústria doméstica. Nesse sentido, Sykes (2006) conclui que o crescimento das importações e o prejuízo grave podem ocorrer ao mesmo tempo, denotando correlação temporal, apesar de um não ser a "causa" do outro. "In sum, the analyses in this section makes two key points: (1) Increased quantities of imports cannot, as a logical matter, be viewed as a cause of injury to a domestic import-competing industry. Rather, both increased imports and injury are the result of changes in underlying supply and demand conditions. (2) Because increase imports are not a causal variable, it is impossible as a logical matter to ensure that their causal contribution of 'other factors', as the injury is separated from the causal contribution of 'others factors', as the Appellate Body insists must be done through a 'non-attribution' analysis. And when the changes in underlying supply and demand conditions that result in increased imports are labeled 'others factors' it is doubly absurd to ask that their causal contribution to injury be 'distingueshed and separated' from the effects of imports."49 Para Sykes (2006), o foco nos preços relativos e na subcotação seria potencialmente confuso, pois uma vez que os produtos sejam fungíveis, tenderão a apresentar preços muito próximos. Se os produtos importados têm qualidade inferior ao produto doméstico o preço de equilíbrio tenderia a ser menor, o contrário sendo verificado ante a hipótese de o produto importado ter qualidade superior ao doméstico. Assim, esse autor conclui que essa análise revela algo acerca da qualidade de um produto em relação ao outro, porém não constitui uma questão de causalidade. Uma vez que ambos os produtos sejam substitutos próximos, sempre haverá uma relação bem próxima entre os preços, pois uma vez que uma diferença substancial terá reflexo na escolha do consumidor do que decorrerá nova aproximação dos preços. Sykes (2006) chama atenção para um aspecto interessante a respeito da prática dos EUA: "Comissioners expressly rejected the suggestion that a 'cost advantage' for imports could be a distinct cause of injury. In so doing, they suggested that proper alternative causes were to be found 'in the U.S. market or among U.S. producers, such as changes in technology or in consumer tastes, domestic competition from substitute products, plant obsolescence or poor management." [nota de rodapé omitida].50 A questão de definir o que pode constituir, no contexto do ASS, "outros fatores" é relevante, uma vez que foi estabelecida a obrigação de separar e distinguir os efeitos causados por outros fatores. É fato que a depender do alcance que se dê à definição de "outros fatores", se tornará muito difícil a aplicação de uma medida de salvaguarda. Essas questões têm implicação direta na possibilidade de aplicação de medida de salvaguarda. Uma possibilidade seria definir outros fatores como aqueles sobre os quais a indústria doméstica exerce controle e que constituam causa imediata do aumento das importações. Note-se, ainda, que o ASS, ao tratar da obrigação de não atribuição, especificamente no Art. 4.2(b), não lista "outros fatores", diferentemente do que ocorre no âmbito do Acordo Antidumping. Essa diferença parece sugerir que nesse aspecto específico a análise relativa à relação de causalidade não seria a mesma, a se tratar de salvaguardas ou antidumping. É possível imaginar que essa diferença nos acordos esteja relacionada à natureza específica do ASS, o qual estaria direcionado para tratar da perda de competitividade da indústria doméstica, perante o produto importado. Da Conclusão A conclusão do Acordo Sobre Salvaguardas pode ter tido como efeito imediato a elevação do número de medidas. Porém, possivelmente, isso encontra explicação, ao menos parcialmente, na proibição de adoção de medidas de área cinzenta. Por outro lado, as decisões do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, condenando as medidas levadas à disputa, também devem ter contribuído para o efeito contrário. A análise de alguns aspectos inerentes à aplicação de medidas de salvaguarda, ao apontar que muitas questões permanecem em aberto, reforçam esse entendimento: mesmo nos casos em que certas regras já foram submetidas ao escrutínio do Órgão de Solução de Controvérsias, isso não foi suficiente para fornecer uma orientação segura sobre como analisar certos aspectos inerentes às investigações da espécie. Bown (2002)51 sugere que "it is not that national governments have managed to fend off protecionist pressures or that they no longer seek an 'scape' from the GATT/WTO obligations, rather they are not doing so under the safeguards provisions - instead, they are avoiding use of the escape clause and instead choosing instruments like AD measures to relieve this pressures" mas que o uso de medidas de salvaguarda constituiria uma alternativa preferível, em razão da não seletividade da medida, que teria como efeito evitar as potenciais perdas de eficiência. Um dos elementos que pode ser considerado um grande ganho, com o advento do ASS, qual seja o restabelecimento do controle multilateral sobre as medidas de área cinzenta. Um exemplo das dificuldades com que se deparam as autoridades investigadoras é a análise da não atribuição, no âmbito da relação de causalidade. Além disso, especificamente quanto ao alcance da medida, Sykes (2006) ressalta que as normas multilaterais não resolvem a questão de saber quão restritiva pode ser uma medida de salvaguarda: uma vez que se entenda que tais medidas somente podem se direcionar ao prejuízo grave causado pelo aumento das importações, será necessário saber o "quanto" desse prejuízo pode ser atribuído a cada fator, com vistas à definição da medida. As normas multilaterais, bem como os precedentes do Sistema de Solução de Controvérsias, não respondem a essa pergunta. O Órgão de Apelação, no caso US - Line Pipe, já expressou o entendimento quanto à importância, no contexto do ASS, da análise relativa à não atribuição e que a interpretação do Art. 5, que trata da aplicação de medidas de salvaguarda, deve levar isso em conta, concluindo que: "[...] It would be illogical to require na na investigating authority to ensure that the 'causal link' between increased imports and serious injury not be based on the share of injury attributed to factors other than increased imports while, at the same time, permitting a Member to apply a safeguard measure addressing injury caused by all factors. [...] for all these reasons, we conclude that the phrase 'only to the extend necessary to prevent or remedy serious injury and to facilitate adjustment' in Article 5.1, first sentence, must be read as requiring that safeguard measures may be applied only to the extent that they address serious injury attributed to increased imports."52 A respeito da própria determinação da existência de prejuízo ou ameaça de prejuízo grave, as normas multilaterais e os precedentes no âmbito do Sistema de Solução de Controvérsias da OMC não fornecem uma orientação segura quanto às determinações da espécie. A qualificação do termo "injury" pelo termo "serious" não fornece orientação interpretativa sobre como deve ser empreendida essa análise e eventuais diferenças em relação à análise de dano, no contexto de investigações de prática de dumping ou subsídios. Ainda sobre o conceito de ameaça de prejuízo grave, não se pode deixar de notar que, em alguma medida, esse conceito vai de encontro à concepção de salvaguardas como medidas de emergência. Conforme relatou o presidente do Conselho, em documento de 1985, "[...] It was also suggested that the concept f 'threat of injury' should be done away with because it does not normally reflect an emergency situation. Some participants could not accept these suggestions, while others felt that these suggestions need careful consideration. [...] 10. Some participants recognized that there was a link between safeguards and structural adjustments, and that safeguard measures are intended to give industries in a particular sector an appropriate period of time to adjust to changes in competitive circumstances. Other participants were of the view that there is no such link between structural adjustment - a long term process - and safeguard measures - actions taken in an emergency. Many participants were of the view that safeguard measures could not be used as a substitutes for structural adjustment."53 Essas dificuldades, além de outras não abordadas neste trabalho, como, por exemplo, a compatibilidade da doutrina do paralelismo com as disposições do Art. XXIV do Gatt 1994 e a relação entre a aplicação de medida na forma de restrição quantitativa e às regras do Art. XIII do Acordo Geral (Aplicação não discriminatória de restrições quantitativas), em alguma medida contribuem para explicar o reduzido número de medidas de salvaguarda em vigor. Messerlin e Fridh (2006) ressaltam que, apesar disso, o ASS constitui um avanço comparado à fase anterior, especialmente em razão da proibição das "grey area measures",concluindo que "when comparing safeguards to other trade remedies it is not entirely clear that from a economic perspective safeguards should always be avoided. Rather it could be argued that a change from the use of discriminatory anti-dumping and countervailing measures to the use of safeguards would be efficient as safeguards area applied on most-favoured nation basis. On the other hand, the possibility of retaliation within the agreement could lead to the use of retaliatory restrictive measures making the global trade less free. When looking ahead considering the future of the ASG one needs to not that any reform to curb the use of safeguards will have limited effectiveness if they are not combined with the reforms of the Antidumping Agreement, as forms of protection to some extend can be used interchangeably."54 Outra questão interessante é a aparente contradição entre o fato de a medida de salvaguarda, por definição, constituir uma medida temporária e a possibilidade de poder ser aplicada a fim de proteger uma indústria doméstica que venha perdendo competitividade no longo prazo. No caso em que o produto de que se trate esteja caindo em desuso, a questão que se coloca é saber se o ajuste poderia ter como fim o deslocamento dessa indústria para a produção de outro produto. Essa não parece ser uma questão de fácil solução, principalmente se considerado que no contexto das medidas de salvaguarda não se aplica apenas o conceito de produto similar, mas também o de produto diretamente concorrente. Produtos com alto conteúdo tecnológico tendem a ser rapidamente substituídos por outros não necessariamente similares. Por força da inovação são criados novos produtos, em alguma medida, substitutos, porém agregando novos usos e não necessariamente sendo produzidos a partir das mesmas matérias-primas e processo produtivo. Situação que enseja outras questões é o caso de países, como o Brasil, em que a tarifa efetiva não necessariamente corresponde à tarifa consolidada, havendo, portanto, perante a OMC, a possibilidade de elevar as tarifas de importação sem recurso às disposições do Art. XIX e do ASS. O Brasil, para elevar as tarifas de importação, encontra limites nos acordos firmados no âmbito do Mercosul. Pode-se questionar se cabe aplicação de uma medida de salvaguarda na forma de restrição quantitativa, quando o país, ao menos perante a OMC, dispõe da possibilidade de elevar a tarifa de importação. Finalmente, não se pode deixar de notar que os objetivos expressos pelo Brasil ao longo das negociações do ASS foram alcançados. Em que pese as dificuldades apontadas, foram alcançadas disciplinas mais estreitas sobre a matéria, comparativamente às disposições do Art. XIX do Gatt 1994. NOTAS 1Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio - 1994. 2MESSERLIN, Patrick A. & FRIDH, Hilda. The Agreement on Safeguards: Proposals for Change in the Light of the EC Steel Safeguards.In: Journal of World Trade, v. 4, nº 4, p. 714, 2006. Kluwer Law International. 3SYKES, Alan O. The WTO Agreement on Safeguard: a commentary. Oxford University Press, 2006. p. 49. 4AHN, Dukgeun. Restructuring the WTO safeguard system.In:The WTO Trade Remedy System: East Asian Perspectives. London: Cameron May, p. 11, 2006. 5Na tradução para o português do conceito de "serious injury" foi adotada a expressão prejuízo grave. 6Documento L/4679, de 5 de julho de 1978. Modalities of Application on Article XIX. Note by Secretariat. Disponível em: www.wto.org. 7A cláusula da nação mais favorecida (MFN, no original em inglês) significa que o comércio internacional deve ser conduzido em bases não discriminatórias. Ou seja, um país não pode conceder a outro tratamento privilegiado em relação aos demais, salvo as exceções previstas no próprio Acordo. Assim, por força da atuação desse princípio, um benefício ou o tratamento preferencial concedido a um país deverá ser estendido a todos os demais. Medidas de área cinzenta são aquelas que não são parte do conjunto articulado de direitos e obrigações do Gatt. Exemplo de tais medidas são os acordos de restrição voluntária das exportações. 8Medidas de área cinzenta são aquelas que não são parte do conjunto articulado de direitos e obrigações do Gatt. Exemplo de tais medidas são os acordos de restrição voluntária das exportações. 9STEWART, Terence P. The GATT Uruguay round. A negotiation history (1986-1992). Boston: Kluwer Law and Taxation Publishers, 1993. p. 1.755. 10Op. cit., p. 1.757. 11Op. cit., p. 1.759. A propósito, vide Documento PREP.COM(86)W/3/Rev.1, de 10 de abril de 1986. Standstill, Rollback and Safeguards. Revision. Disponível em: www.wto.org. "315 In the context f the safeguards discussions, the term 'coverage' as explained by the Secretariat relates to "(i) the nature of a safeguard action, (ii) product coverage and (iii) geographic coverage [...]." 12Op. cit., p. 1.766. A propósito, vide Documento GATT/1396, de 25 de setembro de 1986. Ministerial Declaration on the Uruguay Round. Disponível em: www.wto.org. 13Documento MDF/4, de 23 de novembro de 1984. Safeguards. Report by the Chairman of the Council to the Fortieth Session of the Contracting Parties. Disponível em: www.wto.org. 14Documento MDF/16, de 17 de julho de 1985. Safeguards. Statement by the Chairman of the Council at its Meeting on July 1985. Disponível em: www.wto.org. 15STEWART, Terence P. The GATT Uruguay round. A negotiation history (1986-1992). Boston: Kluwer law and Taxation Publishers, 1993. p. 1.789. 16MESSERLIN, Patrick A. & FRIDH, Hilda. The Agreement on Safeguards: Proposals for Change in the Light of the EC Steel Safeguards. In:Journal of World Trade, v. 4, nº 4, p. 730, 2006. Kluwer Law International. 17No âmbito das investigações, essas importações a serem excluídas ao alcance da medida deverão ser tratadas no contexto da análise da relação de causalidade, com vistas a assegurar que os efeitos negativos dessas importações "excluídas" não foram atribuídos às importações "incluídas". 18SYKES, Alan O. The WTO Agreement on Safeguard: a commentary. Oxford University Press, 2006. p. 143. 19Op. cit., p. 146. 20WTO ANALYTICAL INDEX: GATT 1994. GENERAL AGREEMENT ON TARIFFS AND TRADE 1994. Interpretation and Aplication of Article XIX. Parágrafo 523. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/gatt1994_07_e.htm. Disponível em: www.wto.org. 21Documento MDF/4, de 23 de novembro de 1984. Safeguards. Report by the Chairman of the Council to the Fortieth Session of the contracting Parties. Disponível em:www.wto.org. 22Conforme Art. 2.1 do ASS. 23Op. cit., parágrafo 568. 24Op. cit., parágrafo 542. 25Op. cit., parágrafo 530. 26Op. cit., parágrafo 552. 27Op. cit., p. 107. 28WTO ANALYTICAL INDEX: GATT 1994. GENERAL AGREEMENT ON TARIFFS AND TRADE 1994. Interpretation and Aplication of Article XIX. Parágrafo 532. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/gatt1994_07_e.htm. Disponível em: www.wto.org. 29WTO ANALYTICAL INDEX: AGREEMENT ON SAFEGUARDS. Interpretation and Aplication of Article 2. Parágrafos 26 e 27. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/safeguards_01_e.htm. Disponível em: www.wto.org. 30WTO ANALYTICAL INDEX: AGREEMENT ON SAFEGUARDS. Interpretation and Aplication of Article 2. Parágrafo 31. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/safeguards_01_e.htm. Disponível em: www.wto.org. 31WTO ANALYTICAL INDEX: AGREEMENT ON SAFEGUARDS. Interpretation and Aplication of Article 2. Parágrafo 34. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/safeguards_01_e.htm. Disponível em: www.wto.org. 32WTO ANALYTICAL INDEX: AGREEMENT ON SAFEGUARDS. Interpretation and Aplication of Article 2. Parágrafo 42. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/safeguards_01_e.htm. Disponível em: www.wto.org. 33WTO ANALYTICAL INDEX: AGREEMENT ON SAFEGUARDS. Interpretation and Aplication of Article 2. Parágrafo 56. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/safeguards_01_e.htm. Disponível em: www.wto.org. 34WTO ANALYTICAL INDEX: AGREEMENT ON SAFEGUARDS. Interpretation and Aplication of Article 4. Parágrafo 115. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/safeguards_01_e.htm. Disponível em: www.wto.org. 35WTO ANALYTICAL INDEX: AGREEMENT ON SAFEGUARDS. Interpretation and Aplication of Article 2. Parágrafo 79. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/safeguards_01_e.htm. Disponível em: www.wto.org. 36WTO ANALYTICAL INDEX: AGREEMENT ON SAFEGUARDS. Interpretation and Aplication of Article 2. Parágrafo 117. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/safeguards_01_e.htm. Disponível em: www.wto.org. 37WTO ANALYTICAL INDEX: AGREEMENT ON SAFEGUARDS. Interpretation and Aplication of Article 4. Parágrafo 152. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/safeguards_01_e.htm. Disponível em: www.wto.org. 38WTO ANALYTICAL INDEX: AGREEMENT ON SAFEGUARDS. Interpretation and Aplication of Article 2. Parágrafo 141. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/safeguards_01_e.htm. Disponível em: www.wto.org. 39SYKES, Alan O. The WTO Agreement on Safeguard: a commentary. Oxford University Press, 2006. p. 151. 40WTO ANALYTICAL INDEX: AGREEMENT ON SAFEGUARDS. Interpretation and Aplication of Article 4. Parágrafo 61. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/safeguards_01_e.htm. Disponível em: www.wto.org. 41WTO ANALYTICAL INDEX: AGREEMENT ON SAFEGUARDS. Interpretation and Aplication of Article 4. Parágrafo 181. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/safeguards_01_e.htm. Disponível em: www.wto.org. 42WTO ANALYTICAL INDEX: AGREEMENT ON SAFEGUARDS. Interpretation and Aplication of Article 4. Parágrafo 185. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/safeguards_01_e.htm. Disponível em: www.wto.org. 43WTO ANALYTICAL INDEX: AGREEMENT ON SAFEGUARDS. Interpretation and Aplication of Article 4. Parágrafo 52. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/safeguards_01_e.htm. Disponível em: www.wto.org. 44WTO ANALYTICAL INDEX: AGREEMENT ON SAFEGUARDS. Interpretation and Aplication of Article 4. Parágrafo 198. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/safeguards_01_e.htm. Disponível em: www.wto.org 45WTO ANALYTICAL INDEX: AGREEMENT ON SAFEGUARDS. Interpretation and Aplication of Article 4. Parágrafo 161. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/safeguards_01_e.htm. Disponível em: www.wto.org. 46WTO ANALYTICAL INDEX: AGREEMENT ON SAFEGUARDS. Interpretation and Aplication of Article 4. Parágrafo 91. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/safeguards_01_e.htm. Disponível em: www.wto.org. 47WTO ANALYTICAL INDEX: AGREEMENT ON SAFEGUARDS. Interpretation and Aplication of Article 4. Parágrafo 173. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/safeguards_01_e.htm. Disponível em: www.wto.org. 48WTO ANALYTICAL INDEX: AGREEMENT ON SAFEGUARDS. Interpretation and Aplication of Article 4. Parágrafo 206. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/safeguards_01_e.htm. Disponível em: www.wto.org. 49SYKES, Alan O. The WTO Agreement on Safeguard: a commentary. Oxford University Press, 2006. p. 165. 50SYKES, Alan O. The WTO Agreement on Safeguard: a commentary. Oxford University Press, 2006. p. 171. 51BOWN, Chad P. Why are safeguards under the WTO so unpopular? In: World Trade Review, v. 1, nº 1, p. 49, march 2002. Cambridge University Press. 52WTO ANALYTICAL INDEX: AGREEMENT ON SAFEGUARDS. Interpretation and Aplication of Article 5. Parágrafo 221. In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/safeguards_02_e.htm. Disponível em: www.wto.org. 53Documento MDF/16, de 17 de julho de 1985. Safeguards. Statement by the Chairman of the Council at its Meeting on July 1985. Disponível em: www.wto.org. 54MESSERLIN, Patrick A. & FRIDH, Hilda. The Agreement on Safeguards: Proposals for Change in the Light of the EC Steel Safeguards. In: Journal of World Trade, v. 4, nº 4, p. 747, august 2006. Kluwer Law International. BIBLIOGRAFIA AHN, Dukgeun. Restructuring the WTO safeguard system. In: The WTO Trade Remedy System: East Asian Perspectives. London: Cameron May, 2006. BOWN, Chad P. Why are safeguards under the WTO so unpopular? 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In: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/safeguards_02_e.htm. Disponível em: www.wto.org. Aduaneiras |
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
ACORDO SOBRE SALVAGUARDAS: DIFICULDADES INERENTES À APLICAÇÃO DE MEDIDAS
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