Um terço de retorno
Pelo menos dois mitos sobre execuções fiscais no Brasil ameaçam cair. Dados de uma pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Avançada em varas da Justiça Federal das cinco regiões comprovam que o método de cobrança de débitos com a União, se não é perfeito, também não é um desastre. Das 176.122 execuções que tiveram fim em 2009, mais de um terço teve final feliz para o fisco, com pagamento integral. Tirando da conta processos em que a Justiça não conseguiu localizar os devedores, a porcentagem sobe para 45%. O levantamento também mostra que, ao contrário do que se pensava, o Estado não é, sozinho, o grande culpado pela avalanche de execuções. Conselhos de classe, que têm a prerrogativa de cobrar anuidades como se fossem órgãos do governo, são responsáveis por 37,3% das ações.
O estudo "Custo unitário do processo de execução fiscal da União", feito pelo Ipea em parceria com o Conselho Nacional de Justiça, procurou mapear os gargalos das execuções fiscais, que representam 34,6% dos processos na Justiça Federal. Na próxima segunda-feira (8/8), o instituto promove, juntamente com a FGV Direito Rio, um seminário no Rio de Janeiro sobre o tema. Além de debater os números, o principal intuito é apresentar um anteprojeto de lei que tira dos conselhos de classe a legitimidade para ajuizar execuções fiscais. "Embora a questão econômica não defina critérios judiciais, nesses casos, o Estado brasileiro está gastando R$ 4,5 mil por cada processo cuja média de arrecadação é de apenas R$ 1,5 mil", explica o professor da FGV Direito Rio, Cássio Cavalli.
Segundo o levantamento, que tomou 1.510 processos como amostragem, o custo médio de cada execução é de R$ 4.685,39, incluindo os possíveis recursos. O valor médio cobrado pelas entidades de classe, no entanto, é de apenas R$ 1.540,71. "É economicamente ineficiente. A leitura que fazemos é que os conselhos têm usado a Justiça como forma de notificação e citação. A cobrança poderia ser feita por meios alternativos ao judicial", afirma Cavalli. A avaliação incluiu o custo médio do minuto de cada juiz, que foi calculado em R$ 4,41. Cada um dos 1.488 magistrados de primeiro grau em 2009 custou R$ 333,1 mil, e cada serventuário, R$ 159,7 mil.
Na opinião do professor, o exemplo a ser seguido é o da Ordem dos Advogados do Brasil. Segundo ele, a entidade raramente usa a execução fiscal para cobrar anuidades atrasadas. "Em caso de inadimplência, o advogado pode ter limitações profissionais, como não poder dar carga de processos", exemplifica. A ideia a ser discutida no anteprojeto é tirar das entidades o poder de emitir certidão de dívida ativa, título exequível na Justiça.
Modelo que funciona
Já no caso das cobranças de tributos e outras exigências pela Fazenda Nacional, a execução se mostra eficiente. O valor médio cobrado nas execuções é de R$ 22.507,51. A média arrecadada por ação pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que defende o fisco nos tribunais superiores, é de R$ 36.057,25. Em 17% dos casos o débito é cancelado pela Justiça. Em 27,7% deles ocorre prescrição ou decadência.
Em 41,3% dos casos, o devedor quita integralmente o que deve, por meio de pagamento único ou conversão de depósitos em renda da União. Boa parte dos pagamentos é feita em programas de parcelamento. Em 36,3% dos casos há adesão, e 64,4% dos devedores honram os parcelamentos até o fim. Adjudicações de bens respondem por apenas 7,1% das quitações.
O argumento de que o devedor recorre demais também não encontrou fundamento nos números. A pesquisa mostra que apenas 4,4% das execuções são alvo de exceção de pré-executividade e 6,4%, de Embargos. Mesmo nesses casos, o fisco leva a melhor. Embargos decidem apenas 1,3% das ações a favor do contribuinte. Nas exceções de pré-executividade, o índice é ainda menor: 0,3%. "O processo não demora por causa do sistema recursal, já que só uma em cada oito execuções tem recursos", conclui o coordenador da pesquisa, Alexandre dos Santos Cunha, doutor em Direito e técnico do Departamento de Estudos e Políticas de Estado do Ipea.
"Dizer que o índice de recuperação de créditos pela União é baixo é premissa baseada no senso comum, que a pesquisa desmentiu. Os índices de recuperação divulgados pela Fazenda Nacional, de menos de 1%, são calculados sobre o total da dívida ativa, que inclui débitos incobráveis, grandes passivos de empresas falidas", acrescenta. Segundo ele, o resultado mostra que a estratégia de privilegiar a cobrança de grandes devedores tem dado certo, devido ao movimento combinado entre procuradores e o Judiciário. "Muitos juízes também organizam administrativamente as varas de forma a privilegiar execuções de alto valor", constata.
Com o alto índice de pagamentos, sobra pouco para resolver em penhoras. Apenas 15% das execuções analisadas tinham algum bem como garantia. Apenas 2,6% delas chegaram ao leilão judicial, e em 0,2% dos casos o total arrecadado foi suficiente para quitar o débito. A adjudicação de bens também não resolve. Só em 0,3% das ações ela serviu para satisfazer a dívida. Por isso, segundo Alexandre Cunha, técnicas mais modernas podem ajudar o sistema. "Seria melhor privilegiar a corretagem e venda direta de bens imóveis, sem leilão", afirma. "O CPC permite a venda direta pelo juiz, que nomeia um corretor." Segundo ele, poucos juízes já usam a possibilidade aberta pela legislação. "Em Palmas (TO), há bons resultados."
A penhora online, vista como boia de salvação e garantia de pagamento, não passou no teste. Segundo o levantamento, devido ao alto grau de recorribilidade contra a ferramenta e o questionamento do bloqueio de valores alimentares, esse caminho só procrastina o fim das execuções. "A avaliação é negativa, não gera ganhos em probabilidade", diz Cunha.
Paquiderme processual
O tempo de tramitação continua sendo o maior desafio a ser vencido. A pesquisa aponta um prazo médio de oito anos, dois meses e nove dias até que um processo chegue ao fim. A fase mais demorada é a localização do devedor e a sua citação, que leva três anos e meio, em média. Apenas 3,5% dos devedores se apresenta voluntariamente. Em 47,4% dos casos, pelo menos uma tentativa de citação falha. E quando a primeira busca fracassa, só em 34,8% dos casos as demais funcionam. Em 36,9% das ações não há qualquer citação, em 43,5% o devedor sequer é encontrado.
Por outro lado, quando o devedor aparece, paga. Em apenas 10,3% das ações há alguma contestação ou o processo é levado até a fase de leilão de bens.
Depois da citação, contestações às cobranças consomem a maior parte do tempo. Cada embargo leva quatro anos e quatro meses, em média, para ser apreciado. Exceções de pré-executividade, um ano e sete meses. Antes da citação, o andamento é relativamente rápido. São 117 dias entre a elaboração da petição inicial e seu ajuizamento, 66 dias para o juiz dar um despacho inicial, e mais 28 dias para sair a ordem de citação.
"Se a gestão do Judiciário melhorasse, o prazo poderia ser reduzido", opina Cunha. Segundo ele, o levantamento mostra que o problema não se resolve com o aumento do número de juízes e servidores. "A quantidade já atingiu um ponto contraproducente. Aumentá-la só geraria despesas, sem resultados", avalia. Segundo ele, a chave está na gestão administrativa das varas. "Ainda não existe nenhum modelo que funcione, precisaríamos propor alguma coisa nova." Propostas como a da execução fiscal administrativa, sugeridas pelo fisco em projetos de lei em votação no Congresso Nacional, poderiam ser uma alternativa, em sua opinião. De acordo com os projetos de lei, caberia às procuradorias localizar devedores e constringir bens, para só então ajuizarem as execuções.
Clique aqui para ler a pesquisa.
Alessandro Cristo é editor da revista Consultor Jurídico
Revista Consultor Jurídico, 6 de agosto de 2011
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