domingo, 5 de junho de 2011

Artigo 185 DO CTN. FRAUDE À EXECUÇÃO. NATUREZA JURÍDICA.

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ART. 185 DO CTN. FRAUDE À EXECUÇÃO. NATUREZA JURÍDICA.
PRESUNÇÃO RELATIVA. OBJETO DA PROVA. EMBARGOS DE TERCEIRO. BOA-FÉ DO ADQUIRENTE. ÔNUS
DA PROVA. BENS IMÓVEIS. ESCRITURA PÚBLICA. SUCESSIVAS ALIENAÇÕES. VEÍCULOS. AUSÊNCIA DE
RESTRIÇÃO NO DETRAN. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

1. Para o reconhecimento de fraude à execução com base na presunção firmada pelo art. 185 do CTN, há dois marcos
temporais. Antes da LC nº 118/2005, a venda deveria ser posterior à citação no executivo fiscal; após a LC nº 118,
ulterior à inscrição do crédito tributário em dívida ativa.

2. A fraude à execução possui a natureza de instituto processual, uma vez que, além de afetar o interesse do credor,
abala a efetividade da atividade jurisdicional, à medida em que frustra os meios executórios. Não se perquire o dano
efetivo, o concerto entre as partes ou a insolvência do devedor; a mera litispendência faz presumir a fraude à execução.

3. O ato em fraude à execução é suscetível de declaração de ineficácia no bojo do processo executivo, permanecendo
o bem alienado ou onerado de forma fraudulenta sujeito ao processo executivo, como se ainda pertencesse ao
patrimônio do devedor, conquanto o negócio jurídico continue válido entre as partes.

4. As normas atinentes à fraude contra a execução instituem presunção relativa, porquanto regem o objeto da prova (e
não o ônus da prova), não impondo uma norma de conduta às partes. Embora a doutrina qualifique como absoluta a
presunção de fraude quando a penhora está registrada, constata-se que o cerne da questão é meramente probatório.
Na verdade, o registro da penhora consiste justamente na prova da fraude de qualquer transação posterior, diante da
publicidade erga omnes da constrição judicial. A presunção que se afirma ser absoluta diz respeito ao fato – a fraude –
e não ao teor de norma de direito material.

5. De acordo com o art. 185 do CTN, a fraude está configurada tão somente pelo ato do devedor alienar ou onerar bens
ou rendas após a inscrição do crédito tributário em dívida ativa, sem reservar outros bens ou rendas suficientes ao total
pagamento da dívida, presumindo-se o intuito de lesar o interesse da Fazenda Pública e de frustrar os meios
executórios. Assim, não compete à exequente comprovar a inexistência de outros bens penhoráveis, tomando-se como
certa a incapacidade de pagamento pela falta de bens livres para nomear a penhora.

7. A regra do art. 185 do CTN dispensa qualquer questionamento acerca do conluio entre os que participaram do ato
negocial com o propósito de frustrar o pagamento da dívida (consilium fraudis), pois a alienação já é suficiente para
tornar presumida a fraude. O fato de a norma não impor tal investigação, todavia, não permite a ilação no sentido de
que o ânimo fraudulento é presumido de forma absoluta. Trata-se de presunção relativa, uma vez que a fraude decorre
de um fato desconhecido, cuja ocorrência é exteriormente manifestada pela alienação ou oneração de bens ou rendas.
O fato presuntivo, que deve ser provado pela Fazenda Pública, evidencia a fraude, mas o seu efetivo acontecimento é
incerto, razão pela qual a prova em contrário é plenamente admissível.

8. A questão atinente ao consilium fraudis pode ser aventada pela parte prejudicada, por meio da ação de embargos de
terceiro. Cabe ao adquirente do bem demonstrar que agiu de boa-fé, porquanto não era possível ou não era necessário
saber da existência da execução ou da inscrição em dívida ativa.

9. Em se cuidando de bens imóveis, a escritura pública sinaliza que o negócio observou as formalidades legais, já que,
desde a vigência da Lei nº 7.433/1985, as partes precisam apresentar as certidões fiscais, de feitos ajuizados e de ônus
reais ao tabelião. Todavia, se as partes declararam, por ocasião da lavratura da escritura, que dispensam a
apresentação de certidões fiscais e de feitos ajuizados, o adquirente do imóvel deve provar que tomou as precauções
necessárias para a realização do negócio, demonstrando a impossibilidade de ter conhecimento da pendência de
execução fiscal (antes da LC nº 118/2005) ou da inscrição em dívida ativa (após a LC nº 118).

10. Pode-se considerar de boa-fé, objetivamente, o comprador que adotou as mínimas cautelas para a segurança
jurídica da sua aquisição. Quando houve sucessivas alienações do imóvel, mediante compromissos de compra e venda,
ainda que não registrados, é desarrazoado exigir que o adquirente tenha conhecimento da pendência de execução
fiscal ou dívida ativa em nome de quem não fez parte do negócio. O ato fraudulento deve ser realizado pelo próprio
executado, jamais por terceiro relativamente ao processo, cuja boa-fé deve ser tutelada.

11. A alienação de veículos envolve circunstâncias jurídicas e negociais diversas. A propriedade se transfere pela
simples tradição e a formalização do negócio de compra e venda requer a apresentação de documento fornecido pelo
Detran, que indica a eventual existência de ônus ou restrições pendentes sobre o veículo. Essa é a cautela de praxe
que o homem médio toma ao adquirir um veículo, não integrando o modo usual dos atos negociais a pesquisa quanto à
existência de execuções fiscais ou a apresentação de certidões negativas de débito. Isso significa que, não obstante
haja penhora do bem móvel, se não constar qualquer restrição no registro do veículo no Detran, torna-se patente a boafé
do terceiro.

12. No processo executivo, prevalece a presunção de fraude, cabendo ao juízo declarar a ineficácia do negócio jurídico,
desde que sejam comprovados os requisitos do art. 185 do CTN. A discussão sobre a boa-fé do adquirente deve ser
travada em embargos de terceiro, competindo o ônus da prova exclusivamente ao autor, já que se trata de fato
constitutivo do seu pedido. Em suma, a presunção de fraude, por ser relativa, pode ser objeto de controvérsia em ação
própria.

13. A União deu causa à demanda, porque, à data da penhora, já possuía conhecimento da aquisição do veículo pelo
embargante, em virtude do registro da transferência de propriedade no Detran. Assim, deve arcar com os honorários
advocatícios.

(TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2006.71.02.007359-3, 1ª TURMA, DES. FEDERAL JOEL ILAN PACIORNIK, POR UNANIMIDADE, D.E.
14/04/2011)

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