Um bom sinal de mudanças. Um avanço necessário. Um pontapé inicial. Um bom começo. Este foi o tom do discurso das principais lideranças da indústria brasileira e economistas após o anúncio do plano de incentivo ao setor produtivo "Brasil Maior", feito ontem em Brasília pela presidente da República, Dilma Rousseff. Mas todos foram unânimes em dizer que esperavam mais, principalmente porque o problema central continua: o câmbio. E se depender dos EUA a moeda norte-americana deve continuar sendo uma pedra nas engrenagens dos fabricantes.
"As medidas ajudam, mas a dificuldade permanece sem solução", disse taxativo o especialista em finanças públicas, Amir Khair. "E com a crise nos Estados Unidos, o dólar deve continuar 'derretendo'", afirma, acrescentando que enquanto a Selic não baixar, qualquer medida terá furos.
Já para o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, as medidas são positivas, mas talvez tenham sido tardias demais. "O estrago está feito em muitas cadeias e o acesso ao crédito do BNDES serve para empresas sadias, mas muitas já estão com problemas que dificultam isso", afirma. O presidente da Abinee, entretanto, adiantou que o setor eletrônico deve ser contemplado em um plano específico, que ainda está sendo estudado e será divulgado em alguns meses. O mesmo deve acontecer com o setor automotivo, cujos benefícios ainda estão sendo avaliados, devendo envolver desde veículos acabados até autopeças.
No total, a nova política industrial prevê desoneração tributária de cerca de R$ 25 bilhões em dois anos, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). O Plano reduz a zero a alíquota de 20% para o INSS de setores sensíveis ao câmbio e à concorrência internacional e intensivos em mão de obra, como confecções, calçados, móveis e software. Em contrapartida, será cobrada uma contribuição sobre o faturamento com alíquota a partir de 1,5% de acordo com o setor. Uma medida provisória vai garantir que o Tesouro Nacional arque com a diferença para cobrir a eventual perda de arrecadação da Previdência Social.
A medida, que funcionará como um projeto piloto até dezembro de 2012, terá os efeitos acompanhados por uma comissão tripartite, formada por governo, setor produtivo e sociedade civil. Mas já se sabe que a desoneração da folha terá um custo de até R$ 1,3 bilhão ao ano para o Tesouro Nacional, segundo o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa.
Os exportadores, setor mais afetados pela valorização do real frente ao dólar, contarão com o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra), que garante devolução ao exportador de bens industrializados de 0,5% da receita da exportação, nos mesmos moldes da restituição do Imposto de Renda. O valor será depositado em conta, mas quem desejar também poderá usar os recursos para quitar débitos junto à Receita.
Para o presidente da Abinee, um dos pontos mais favoráveis do pacote diz respeito ao controle de qualidade dos produtos importados, uma vez que o plano prevê a modernização do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). Com isso, a instituição ampliará o controle e a fiscalização também sobre os produtos importados, abrindo espaço para barreiras não alfandegárias. "Não era justo o produto brasileiro ser obrigado a seguir uma série de normas, e o importado, não."
O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, considerou o plano "insuficiente". Segundo ele, a confederação irá monitorar as medidas e apresentar novas propostas ao governo. "O câmbio vai continuar se desvalorizando e as ações anunciadas na semana passada para conter a especulação no mercado de derivativos também foram insuficientes."
Para o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, o conjunto de medidas é importante, mas é preciso se assegurar de que elas sairão do papel e do modo como sairão. Segundo ele, a indústria estava desconfiada do pacote, porque as informações eram de que as medidas seriam muito "acanhadas". "Gostaria de ver, por exemplo, redução do preço da energia e a implantação de medidas para a defesa comercial, como o combate à pirataria; a práticas antidumping e subfaturamento."
O presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Luiz Albert Neto, foi mais duro e disse que as medidas são "inócuas", dados os parâmetros de câmbio e juros no País, hoje.
O presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, considerou prudente, por parte do governo, apresentar o plano de desoneração para alguns setores, com a promessa de que outros também serão contemplados no futuro. "Esse passo a passo é bom com a afirmação de que a desoneração será permanente", afirmou Godoy.
Segundo o chefe-de-gabinete da Presidência da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Lourival Franklin Júnior, o pacote anunciado deve ser encarado como uma boa sinalização do governo; contudo, ele não resolve o problema da indústria.
"Isso pode ser resumido em uma declaração dada pela presidente Dilma Roussef na manhã de ontem, quando disse que o dia 2 de agosto marca o início de uma cruzada em defesa da indústria nacional", diz Júnior.
"De modo geral, as medidas são todas muito positivas para a economia. Elas devem estimular a competitividade das empresas, reduzindo custos e burocracia", afirma Ademar Cantero, diretor de Relações Institucionais da Anfavea. "Com relação ao setor automotivo em específico, o importante é que o governo sinalizou com a criação de um regime especial para investimentos em inovação. Agora vamos tratar da discussão das medidas."
Na opinião do professor de Finanças do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), Gilberto Braga, trata-se de uma medida que vem na direção certa, socorrendo os segmentos incluídos no plano piloto, pressionados pelo câmbio. "Mas ainda falta mexer em outras alíquotas sobre a folha de pagamento", disse Braga.
DCI
03.08.2.011
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